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DE UM TORTO MAS NÃO MORTO


( feito de uma idéia a mim dada por Leonardo Só )
...Começo este meu relato,
Pedindo de adjutório
Que não fujam para o mato,
Pois estou no meu velório.
Sou um defunto com tato
E detesto falatório.

Daqui, ouço a voz do sogro
Para a bunduda empregada,
Prometendo apartamento,
Uma jóia bem dourada,
Ilusão do ano passado,
Pru mode vê ela pelada.


Ouço meu filho Aderaldo
Planejando roubalheira.
Desde que era pequeno,
Só deu pra fazer besteira.
Nunca dei-lhe uma lambada,
Então, deu pra bandalheira.

Mas que falta de respeito
Do meu amigo Joel.
Já paquera-me a viúva
Com seu papinho de mel.
Se inda tivesse na terra,
Ele ia para o céu.

E meu pai? Chega bebum
Chorando que nem a chuva.
Derruba minha coroa
(Não falo de minha viúva),
Grita que nem fosse bruto
Picado por cem saúvas.

Um mendigo entra e ora,
Com reverência tamanha,
Que só mesmo o meu cachorro
Esse fato não estranha,
Nunca esqueceu da ajuda
Que dei-lhe numa campanha.

Ouço um amigo de infância
Meu poema declamando,
Esse amigo memoriza
Qualquer poema brincando,
Para que eu fizesse igual
Vivia me provocando.

Minha vizinha Geralda
Se joga no chão da sala,
Dando bandeira pro povo
Sobre nosso rola e rala,
O Joel disso se vale
E lambuza mais a fala.

Ligam a televisão
Pra ver se muda o sentido
Do que se vai revelando
E virando dor de ouvido.
O rumor vai abafando,
Sem ter mortos, nem feridos.

Na TV, ouço o prefeito
Anunciando os acertos
Nas ruas e avenidas,
Mas o povo no aperto
Só o que vê é buraco
E a saúde sem conserto.

Mudam então de canal,
Escuto o Pastor Placedo,
De novo, muda o sinal,
Ouço o Padre Toledo,
Ouço o uivo do capeta,
E quero ir pro céu mais cedo.

Agora, o noticiário
Fala do preço elevado,
Das coisas que necessita
O povo pobre e coitado,
Que reza por estar vivo,
Embora desesperado.

Mostra a TV os galãs,
E a peste ali do lado
Fala um mimo pro Joel.
Sou um morto corneado
Pela viúva Jezebel.
Vou me vingar do outro lado.

Revela a nós a TV
O deputado canalha
Que escapa da Justiça,
E que ao direito estraçalha
Com as manhas de seu vício
De aproveitar as falhas.

E o povo, coitadinho,
Vai levando no seu ra….lo,
Entupido de promessas
E de sonho até o talo,
Sua esperança não cessa,
Mesmo manco o seu cavalo…

Ai, que coceira danada
Eu sinto no meu cangote!
Sinto que tão carregando
Meu corpo para o meu lote,
Se a viúva me coçasse,
Esquecia o joelote.

Já tou perto do escuro,
E esse povo grita tanto.
Só três têm choro sincero:
Meu cachorro Pritossanto
O mendigo e meu amigo,
Vertendo saudoso pranto.

Quando fecham-me na cova,
Me dou conta do perigo.
Bato no caixão, dou prova
Do erro desse jazigo.
Rápido me puxa o Jóvi,
Coveiro dos mais antigos.

A viúva me abraça,
Joel me beija na boca.
Num minuto, quer-me a dona,
No outro, uma bicha louca.
Papai me oferece pinga
E curo a garganta rouca.

Meu filho me cata aos ombros,
Meu sogro dá piruetas,
Pois sabem que meu dinheiro
Sustenta suas mutretas.
Como isso agora é pinto,
Só fico atento às falsetas.

A vida é coisa preciosa,
E muito já me esbaldei.
Quero agora aproveitar,
Mas com juízo de rei,
Só tenho um conselho a dar:
Vivam, pois, eu viverei!

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