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Mostrando postagens de março, 2012

NO CAMINHO DO COLÉGIO JÚLIO

Até o colégio um caminho inóspito. Havia crocodilos. Conhecia a sombra de um. Olhava pra trás não tinha ninguém. Olhava pra frente ninguém também. O jacaré de papo amarelo então saía. E ficávamos a papear sobre pernas grossas. No caminho, passavam pernas de todo tipo. Vez ou outra, uma fêmea apertada no mato. Ouvíamos o esguicho sem cano típico. Eu, excitado, pedia um tempo ao jacaré. Era um tempo de eu ser gênio sem lâmpada.

NÃO HÁ AINDA

Não há coração ainda. Ele está se formando. Um ponteiro vai girando. Há um almoço nu esfriando. Só haverá coração quando a carne se entender com os ossos da alma. No baile das palavras, o tempo é cardíaco.

UM ÍCONE

Naquela escola, próxima à Prixel, abriram o notebook.  De dentro,  o traço direito, defendendo o rosto. Baixou o traço esquerdo, cobrindo a pseudo-virilha. Quebraram-lhe os dados, o aço, envenenaram-lhe a excre/mente virtual, tudo que em si era soft/hard. Ergueu o braço direito, ajeitando os pseudo-dedos que ele achava verdadeiros, como todos nós. Baixou o braço esquerdo, sinalizando aos ícones-irmãos. Foi quando viu a tela. E fragmentos de metal no lixo.

AMADEIRADO

Há tanto tempo grito desta caixa de madeira forçando as tábuas de um dia inteiro Grito desta caixa de sólidas paredes de jacarandá um dia inteiro Desta caixa de mundo onde me debato arranhando o espelho onde se mira o som do eu Desta caixa onde me agito desde que carregaram meu corpo de um útero quente grito amadeirado

O TORTURADOR

Vou lhes contar uma história antiga. Enquanto a química dos alimentos se redemoinham em seus estômagos.  Era uma vez. Não. A vez é agora. Vocês sabem que foram tirados dos crânios aqueles cheirosos cabelos para rechear travesseiros, não sabem? Quando foram tirados, o torturador nunca iria imaginar que dentre eles estavam outros. Nunca imaginaria que entre eles estavam fios de cabelo de um menino de suas relações. Aquele seu filho, nórdico puro, que desapareceu entre judeus num campo perto dali, na fuzilaria do inverno de 39, tinha cabelos de sol nórdico, e, sim, eram seus cabelos que enchiam aquele travesseiro que seu pai usava, quentinho. A pele do filho estava também esticada em sua alcova: pele ariana filtrando a luz do abajur na cabeceira da cama. Branquinha. Antes de dormir, tinha o costume de enfiar agulhas, sadicamente, no abajur, pensando ser de uma judia pela qual seu coração se rendera, uma adorável puta, melhor que sua pudica mãe, no entanto.  Também, judiado pela insanidad

15.500 DEPOIS DE ZANZALÁ

Coça os olhos, após acordar com dor no supercondutor, comichão nos fusos. Acha as chinelas de amianto e dirige-se ao banheiro. Cheio de xixi? Ou somente sensação elétrica? Ou reflexos da teoria do campo magnético nas partículas XYZ? Olha o calendário: ano de 15.500 depois de Zanzalá, 05 de maio. Marcou com traficantes do virtual. Deixou de fazer coisas importantes por causa disso. Estava fazendo estudos para um salto androideano, ligando o inconsciente das criaturas artificiais aos mitos antigos. Seus pensamentos criativos eram captados pela Central? Imediatamente, chegam os agentes do governo robótico e trocam seus chips de fibra de carbono. Mas mesmo pinças precisas não removem seu percentual de autonomia. Os outros andróides sequer suspeitavam de sua genialidade, de seu desejo oculto de ser qual os humanos que existiam na Terra em 2000 d.C. No banheiro que construíra para si simulava os hábitos humanos e aumentava seu percentual de inteligência (i)lógica, aperfeiçoando as cagadas.

CONTO "TRAÍRA"

TRAÍRA conto meu um pouco antigo O Jardim Costa e Silva ficou em polvorosa. Em toda a cidade de Cubatão, haveria assunto pra toda semana. Tudo começou assim: Chegara em casa, irado. - Traíra! - Olha os modos! - Me lixo. - Os vizinhos. - Se mudaram. Chuta a mesa. Pratas voam, falsas. - Eu te segui. - E aí? - Eu vi tudo. - E aí? - A coisinha também viu. - E aí? Não conheço coisinha nenhuma. - A da esquina. Vê cigarros. Aproveita o clima. - E esses cigarros? - São seus, debilóide. - Não me chama assim. – Torce o braço do outro. - Puto. - Sou homem, você sabe. - Viado. - Repete. Puxa o revólver. - Atiro? - Atira. - Eu atiro em você. Depois em mim. - Atira. -Por que você quer tanto que eu atire? -Quero ver se você é homem. -Muito mais que você. -Duvido. -Só por causa de um bigodinho tá se achando. -Tá com inveja? Compra hormônio do bom. -Não preciso disso.Tenho mais alma de homem que você. -Alma de homem ninguém vê. O corpo todo mundo olha. Meu corpo é que vale. -Que homem é você?

OBSERVAÇÃO

Aqui de cima do telhado do Paço Municipal de Cubatão, uma cidade onde assombrações químicas sem cabeça se davam as mãos, observo-os.  Mas eles não me vêem, os anjos ridículos. Fazem piruetas e se enroscam nos postes. Gostam de farejar as almas ridículas. E roubar-lhes fios imperceptíveis de cabelo. Nunca notaram que os observo. Mas não só eu os observo. Helicópteros silenciosos sobrevoam suas cabeças. Guiam-se por ondas ultrassônicas. Mas nunca os pegam. Os anjos gostam dos palcos luxuosos, das festas nababescas, onde possam refestelar-se no ridículo. São os fios das almas ridículas que os salvam de si mesmos. Os anjos ridículos se multiplicam. São 70 % (setenta por cento) dos anjos. Passaram a ser minhas manias visuais. Há um código que eles seguem. Não atino com os incisos, artigos, capítulos. Só sei que há um código baseado no primeiro que fiz.

SEIOS DAS ONDAS

Os pastores gelados que viriam nas bocas da ordem à deriva apenas antecipariam o abismo não fossem usados nos sorvetes Os políticos perdidos no tempo, camelo de infinitas corcovas a preencher todo o espaço Os livros, num mar vivo onde nadam idéias variadas, os livros, onde nos irmanamos às eras que se desviaram da eternidade