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Mostrando postagens de outubro, 2012

AO AMIGO LÚCIO

Sem ti, Shiva, amigo de bondade irada, Hoje, ficamos um pouco menores. Hoje, ficamos um pouco mais escuros. Hoje, ficamos um pouco mais falhos. Hoje, ficamos um pouco mais chuvosos. Hoje, ficamos um pouco mais desagradáveis. Hoje, acontecemos menos. Hoje, desumanizamo-nos um tantinho. Hoje, cairam mais aves certamente. Menos cães uivaram, menos galos cantaram. Os natais estarão menos. As paixões não serão as mesmas. O teatro não será o mesmo. Nós, os amigos, não somos os mesmos. Não seremos os mesmos. O tempo não avançará sem tremer nos nossos relógios. Não seremos mais tão hábeis como quando tínhamos o amigo. Sabíamos que seu corpo estava circulando. Assim, o possuíamos com mãos e corpo para o abraço. Ele chegaria de algum ponto e sentiríamos seu cheiro. Estava dentro do nosso espaço, dos nossos narizes, dos nossos sentidos. Era seu coração maior que o corpo, em sua grandeza de Shiva. Não acreditamos, não acreditamos. Hoje, seu corpo deixou de circular. Hoje,

SEM HEMATOMAS

Se entrarem e disserem: Vem, façamos tijolos, Poemas de sangue e cal, Casas sem hematomas. E disserem: Pescador das ilhas do Si – Mesmo, Solta teu exercício pedreiro. E disserem: multiplica Os tijolos sete vezes setenta Sob a cumeeira de tuas obras. Se entrarem e disserem Das vacas e seus pés de barro, Ilhar-me-ei da mesma forma Nisto, pois sem hematomas A pele da letra abisma.

PAPEL-ALUMÍNIO

O acidente aconteceu. Vi o homem, E estava envolto em papel alumínio. Quando cheguei em casa, A assadeira estava envolta também. Belos pedaços de frango em papel alumínio. O vizinho ouvia a maciez do som. E eu refleti com sonoplastia sobre todos os mortos em alumínio.

NAS NUVENS

O poeta desconhecido,  deitado na nuvem, ficou olhando a bondade. A bondade ficou constrangida e fugiu do seu olhar. Então, o poeta escreveu um verso triste com a ponta do sol, maldosamente.

ANTES DE DEITAR

Olha, menina, dizia-lhe a Mocha Contadora, Ele foi goleado do amor teu antes de deitar as mãos no sombrio. Por sob tripla trave de concreto não percebeu o chute teu na reta. Tinhas incorporado um triste orgulho e quando o percebias tinhas náuseas. A face sangrou dele, irrefletida do bico do desprezo que lhe tinhas. (dizia-lhe a Mocha em altas horas e definhava a moça pasto afora) Fim Firi Fifim! Quem quiser reconte começando o fim.

DESENTENDENDO UM EU

Quem que ou qual quando Coando estou no café quem Perco o que fui tal qual zoando Fui qual foi querendo sem Ser voltei quase coruivando Pois cá fiquei quando sereno o bem Em verso rubro me entortei Sou cem ser cio e sons sem nem De céu e sol em cem sins saneei Que sairão voando a trem Num girassol solando seis Mil nãos inteiros em zazen Quem sou suando à beça E estuando em pressa e bem É onde estou sentindo Qual me desentendendo Um eu sumindo o outro amém

BOCEJO INSÓLITO

Em sua alma, enquanto ele dorme, Forma-se um poema. Por dentro, os olhos a procurar vazão. Contra as paredes do sono, sombras De fluidos tijolos formam casas de mistério. Em seu corpo uma dor consistente Debruada de insensatez. Acorda. Pensa no som da água Enquanto abre a torneira para a sede. Silêncio insólito e barulhento. Só sem si. Ou mi. Mil que se despedem De gestos interrompidos. Assim, a forma poética boceja, Sempre a fugir da foice rubra.

MEU VOTO

Quis passear com Cubatão, uma dama aprendendo a se vestir. Enxerguei-a, sentada, a manipular um celular. Pra quem estaria a ligar? Será que cheguei tarde? Mesmo quando bem não se vestia, sempre a olhei com libido. Então, ela me olhava. Mas eu era tímido. Agora, ela liga pra alguém. Talvez ela tenha agora sonhos e eu só tenho um voto na urna da alma. Ela não sabe mas meu voto só é suficiente  pra uma esperança de poucos segundos.

SE SEMPRE E NUNCA

Ele vivia no lixo de sua própria ontologia. Antes. Pisava o Outro com cinzas filosóficas. Como se sempre, nunca era o se fora. Mas eu sabia. A coragem lhe vinha de nunca ter sido atingido por  si - mesmo. Como hoje.