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Mostrando postagens de abril, 2013

MISTÉRIO QUE ESPANTA

Quando o Rio sofreu um desvio pra que não houvesse enchentes Será que sentiu uma dor na coluna? O esqueleto do rio curvou apenas alguns graus Um Rio entortado, uma estátua sem cabeça, como nós, vítimas do tempo Quando a gente se dispõe a pensar nisso, esse mistério, apesar de todo sangue que vertemos ao entortar as coisas

ESPELHO-TE NOS CALHAUS

Não adianta fingir claros, Pois sou do escurecer. Um tal chora frente ao espelho Por ser eu a encanecer. Esse sofrer espelhante Como de alguém que se larga Ao espaço reflexivo Gera espinhos nas ilhargas. Embaixo das ondas tento Ser além do bem, do mal, Dando infância ao velho lento. E ao te ver bela, real, Sei que tenho sorte. Sento E te espelho nos calhaus.

FIOFÓ DO MUNDO

Te falo, sanguinolento: Os anjos de pés oficiais, Anjos que escrevem com sangue Ante o testemunho de estátuas Com armas de venalidade e corrupção, Gritam as mães com panelas Nas cozinhas de primeira grandeza Da sugada Brasília de Alões, Nas favelas virtuais do Ku do Mundo, Nos mocambos chilenos, Nos beirais das ruínas, em Somenos, Bairro de Brazuca, adrede maquiado Entre culhões/cuecas e consciências nos bolsos. E compram almas sem pele básica nos shoppings/currais eleitorais. É assim que anjos fumam em inferno aberto, Se abrigando do frio de enxergar O que resta e é ossário para contemplação dos fantasmas. É assim enquanto a pobreza em remela Assoa o nariz e cobre-se com papéis de bala Que eles chuparam muito mais No auge no nosso nazismo de 20 anos,  Seus nauseabundos dedos. Ontem e hoje, os mesmos de sempre  Cuspindo chicles verde-sangue Nas tuas ventas esquecidas É uma pena que você venda seus amigos Se caralhe, sanguinolento!

JAMAIS VOEI COMO AGORA

Nasci. Cheguei até aqui. Minhas asas sangram. É no espelho que sangram Do eu ao inverso. Desde pequeno, as manchei No centro incerto do ser. Com elas, jamais voei. Sua seiva dói Nos vasos do papel. Com elas, jamais voei Como agora.

ESPINHOS COM ROSAS

A essa hora, mães vendem coisas nas ruas. Pais vendem troços nas ruas. Filhos idem. Isso acontece há tempos. Meus pés já atravessaram a alma. Há espinhos de novo. Nunca encontrei imagem Sem espinhos nos braços. Numa floricultura, Espinhos vêm com rosas.

GENERAL GORILA DA DITA DURA

O General brada e senta-se à mesa. Saliva ele e, como o outro, ama o cavalo? Tirou zero na aula da infância. Nem sente os hematomas à sua volta. Nem sabe o General que foi outrora o Brasil Pra Cova. As vistas grossas embalam gorilas com amor(te). O General brada, educado como os restos no canto do pires. Não sente o cheiro dos jardins mudados. Sente-se abençoado em suas botas. O copinho de café quente que tomará amanhã em cima do canhão de brinquedo que imagina ter na sala. Anseia por banhar a consciência. O General nasceu puro mas sujou a consciência Naquele Polícia-Ladrão. Hoje, o cemitério se chama: o  General Saliva Salva!

QUESTÃO DE SERIEDADE BASILAR

Os que leem o que escreves nem bem devem saber o segredo de espumar frases com vida. Gesto que traz a vantagem de dominar a dinâmica do começo da vontade de escrever ao máximo. Quando reescreveste palavras nas asas do silêncio, deste nova vida aos ecos da tua alma de tinta. Logo mais me desfarei de encontro às rochas do papel, o sangue modelará o Poema. E te rirás, ao  transfigurá-lo com as retinas, sem reparar no quanto sou sério.

CIRANDA REVIRADA

Oh gira o poema e torna a girar, Revira comigo, que, feito piaba, Aos teus pés de santa-diaba, Morena, pus-me a nadar! Meu poema ardido Por teu escândalo Tem jeito triste, Filosofando! Morena, morena, Só namoro, entenda, Pois casar é muito E vivo em contendas. Foi só conhecer-te, Levantou-se a grua, Minha sede intensa De chupar-te as luas! Meu desejo incendiou, E o luar ensandeceu-me, Por isso vulcões estouram Do solo que em mim fendeu! Tirai-me, Deusa, o tormento? -Não posso senhor Poeta. Onde a vida ao eu faz vento A morte a vida completa! Meus poemas derramaram. Minh'alma em lava ferveu. Mandei chamar-te, morena, Para cirandar sem véus. Meu vovozinho de Registro, Carregadinho de nanica, Fez bananada, raspou visgo, E tomou água da bica. Não te aproximes, ainda, Morena, pois, meu vovô, É fraco-fraco, fraquim, Num guenta o cheiro de frô! Oh gira o poema e torna a girar, Revira comigo, que, feito piaba, Aos teus pés de santa-diaba, Morena, pus-me a nadar!

ESCREVEMOS PORQUE(reelaborado)

Escrevemos porque alguém sempre nasce, alguém sempre morre e porque sempre para alguém que escreve tem alguém que lê, porque é insuficiente respirar e insuficiente a algema para prender o constante cordão umbilical, porque alguém quer sempre libertar-se ou mesmo ferir-se de palavras e solidão e companhia na mesma mão e contramão motiva a escrever com a tinta do útero da Mãe. Porque não temos irmãos e os temos como coelhos, porque os teus olhos são azuis ou pretos ou vermelhos, porque as menores atitudes motivam, as maiores estimulam, porque nunca nos entenderemos e sempre nos falaremos e choraremos, assim como insensíveis sensibilizaremos. Porque temos moral, porque somos imorais, amorais, carnais, porque usamos terno, porque temos cargo, encargos, desemprego, camiseta regata, porque adoramos funk, rock, porque detestamos música, porque vivemos pouco, muito, e sempre alguém nasce enquanto morremos e alguém morre enquanto nascemos demasia

LAVADEIRA DA MINHA INFÂNCIA EM REPRISE

Lava lava lavadeira da minha infância em reprise Lava lava lavadeira os cernes das minhas crises Lava lava lavadeira o fundo dos meus aclives Lava lava lavadeira o ser-sem que é corvo/cisne De tanto peso nas curvas dorme por um triz e tisne o triste Lava lava lavadeira meus pensamentos in/firmes Ao te ver curvando o sonho e quadris ao rés do rio Lavo lavo lavadeira minha virtude no crime De tontos desregramentos Lava lava lavadeira meu resto em tuas bacias Teus meios lava lava lavadeira nos teus céus Os meus infernos Lava lava lavadeira meus olhos minhas olheiras Pois se por fora eu rio por dentro solto o berreiro Por teu cheiro em peixe e água impossíveis

TEMPO A VALER

Há horas que sangram Em relógios-cais, Vemos nossa alma Padecer em ais. Relógios são frágeis No tempo atual, E nos desesperam Sem tique ritual; O tempo a correr Vai manco, apressado. E cai a valer Doendo do lado.

A A(DOR)ME(SER) Mores de I(a)raque ou (Af!)ganistão,

Não vou Onde há cheiro forte de costelas para os corvos Mores de I(a)raque ou (Af!)ganistão, Lá onde guerras vêm umas das outras, Em locais onde se ajuntam bandejas podres Com velho vinho e Santa Ceia para o ódio, Donde embebedam-se homens à custa De mulheres enterradas sem clítoris, Amolar-me em limo De alvejadas folhas, Talvez bem te engane minha poética ambígua, Mas não a mim, Aqui crucificado bebo de vida e morte Letras que juntei amistosamente no copo, Não vou lá

RAIZ

Vejo u'a mulher, seus olhos doem de serem belos, caminho então na direção dos seus cabelos crespos, ao rés da alma medos e mágoas, piso bem leve Não, na verdade, são cem em uma e todas vertem mil universos num só pescoço, traços de afetos que bem recebem ou receberam lábios com sede Abraço todas num corpo uno pensando em lagos que me afoguem bem afogado sobre o pescoço que beijo e sangro como uma fera de outra idade no tempo morta Vejo a mulher, sua pele em nuvem, clamando toques, retoques e sons chuvosos, toco em seus seios tão generosos por sob as vestes, não, na verdade, são cem em uma e todas despem suas auréolas Vejo suas pernas, gregas colunas, calores rubros mesmo na chuva, pego suas pernas e roço nelas como em cem outras, firmo suas costas, durmo em seu seio como em cem seios, teço-me os sonhos desde a raiz

VISTE, ESPELHO

Se tudo o que vejo parte daqui, como acreditar nas tuas falas, se o que causa escuros é de mim? Teu é o coração que não me atinge. Teu é o desprezo, ojeriza, asco. Tu me lanças o enigma da esfinge? Rastilhos de pus na pálpebra. Se tudo enxergo a partir de mim, por mais que sorrias, não me alegro, pois ao morrer, o tudo se acabará. Viste, espelho? Me escuta: o que em mim cresce jura inocência do crime de ego/refletir-te.

OS ANJOS PEGAM SUAS TROUXAS

Os anjos pegam suas trouxas. Não têm mais esperança. Estão em fuga. Não são mais os mesmos. Aquele jeito puro deles não existe mais. Aquele sorriso de cada anjo ganhou febre. Antes invejavam os homens. Agora invejam o Nada. Se ganhassem o Nada, Mergulhariam sem pensar em nada. O Tudo lhes cansou. Pegam suas trouxas e vão aos piquetes. Quando assaltados de pequena esperança, Pedem jornada eterna menor. Melaram de bosta as asas. E apontam o dedo médio pros homens Que os vêem quando sentam no meio-fio.

SIGO COMO UM SER DE SELVAS

Sacudo minha juba Como leo antigo Estico o pescoço De meu ser selvagem. Blasfemo da chuva Que dá fuga à caça. Pouco me adianto Com a vida às traças. Só as minhas moscas Me adoram, me entendem. Não há virgens selvas. Todas em ruínas. Vão-se as memórias De outros campos férteis. As patas me doem Como as lembranças Dos risos de Leocádia. Os dentes tremem nas gengivas. Meu rugido espanta menos Que minha amarga alma Claudicante a cada verso.

QUESTÃO DE MEMÓRIA

Acontece no ônibus, vez em quando. Abro, então, a memória para que entre Um avô espanhol, de Lojas, Da região da Andaluzia Me compra sequilhos, Ao centro da cidade de Registro, Onde também um peixeiro passa, Junto duma mulher com chá quente nos bolsos. Marília me aguarda à porta do banheiro. Dirceu fugiu com uma cabra E o estranho é que estou Ao lado de um colega falecido. E assim vou por aí, catando visões. Abro mais e estou saltando muros. Valho uns seis milhões de dólares, Por meu braço biônico. Mais gordo e com treze anos. E estaco para o espírito em fogo. E mulheres nuas invadem minha puberdade. Com seios em riste de auréolas molhadas. Há um cheiro de eternidade nisso tudo. Embora os pés do tempo disfarcem As varizes nas rodas do ônibus inflam.

A AFIADA FÁBULA

Há muito estou sem sangue que preste. Desde que vi as cegas apedrejadas. Pudesse matar carrascos com grafite. Entreabro as pétalas das palavras Com letras de abertas vísceras. Do campo de histórias partem apelos.  Lá elas com a cegueira que lhes causamos. Cegamo-las com a afiada fábula das costelas.

RESTART

Tu me acenando de longe. Vou à memória buscar-te. Promessa que fiz pra mim: Inda te encontro na Arte. Finitos sons a morrer. Passa o tempo sem esforço. Eis que ouço meu rascante Atritar de ruga e osso. Miolos na sopa, estou velho, Quase me esqueço ao chamar-te. Tu me imploras da tela E dou-te a memória em restart.

NESTE MOMENTO

Neste momento, minha cadela coloca o focinho na porta, volta pra fora, se certifica que todos estão longe, e fala comigo: será que posso ver o meu feice? Em troca posso ser um pouco mais feroz. Como não tem ninguém e ainda me admiro por ouvi-la falar melhor que muitos humanos digo: você tem dez minutos. Ela se despe dos pelos, pra ficar mais à vontade. E digita com tal rapidez que.... Escuto o portão. Ela corre, veste os pelos E deita no tapete. Só eu percebo que ela vestiu o rabo ao contrário. Ninguém mais percebe. O tempo nos atropela.

AO FIM, A MULHER RAIA

Os ombros do homem não doem, ao final. A mulher os atinge com seus olhos de amolecer pedras. Por isso, o homem sorri nas intempéries. O ombro doendo chamando a chama do amor. E as ondas levam o grão com suavidade.

JUNTO Á CARNE

A mentira junto à carne. A verdade é que poucos Serão lembrados depois da morte Num espaço de cem anos Quando outros azedarem Seus hambúrgueres, quem? Falo de mim também, Dos afetos meus, embora verdes, Dos sangues secos, Do meu amor pelo amor, com final. Quando não mata pessoas Nas calçadas quentes De saliva, sangue e caminhar.

DO OUTRO

Ser o próximo de pele e seiva doando árvores. A certeza é avara ao surgir de caules cintilantes. Ser o próximo de seiva e pele, compondo chuvas e ventando, doando o que resta nas folhas. Ser o outro que só se desconhece por mim.

MANHÃ

Manhã de crianças  montadas nas árvores, Roubando ovos  dos ninhos e caindo Sem choro nos lábios,  imitando folhas Que descem,  espiralando ao vento, Enquanto o chão  gargalha amolecado.... Manhã de esperanças  alongadas nas aves, Apesar do rastro  do supersônico às janelas Cortando os lábios  de um deus esquecido, Que estapeia o avião  como a uma mosca... Mas não acerta  e mata uma aurora. Manhã de amores  se resolvendo, De mulheres  aceitando convites, De passeios nas ondas do céu, Onde um mar se desnudou há muito De querer ser mais do que é... Mas depois que chance sobra se viver pode ser e se não pode cobra

SABES BEM

Sabes bem de meu olhar e seu costume de escravatura. Sabes bem dos rios que enchem as rugas da face e me inunda. Perdão também pelo punhal que trago afundado  no peito a cegar-me. Sabes bem.

GRÃOS DE CORAGEM NO TREMOR

Estão na rua. São os homens cinzas. Batem ovelhas em paredes. Sempre de olhos infames, Cartolas cinzas como seus bafos. Aproximam olhos e boca das calçadas. O dia está fedendo sempre em suas bocas. As vítimas rodam em volta dos tijolos. A cal entorta, provoca enjoos. Conversam os carrascos entre si. -Nem todas, como se lê, são... Há alguma rebeldia luminosa. Ironiza a lã no bigode do monge. Um dia, Joãozinho Trinta pôs brilho na boca da gárgula. Há carnaval  ainda onde não sofriam. Há grãos  de coragem no tremor.

COMO O PIERCING DA VOVÓ

Espicaçar o ser com verbo e rinha E amarrar em traves frágeis linhas Trocar a paz das taças pela guerra De desprezar o unânime Por entre as mãos do acaso Soltar da Paz dos Egos Com desvarios no cego signo Socar com revoluções o pensar E isso não é novo agora Como o piercing da minha avó Lustrado por teias de aranha Não era novo no umbigo do ontem.

CARNE E GULA

(E o filme, Inconstance?) Quem sabe em mim te balance E com paixão te cutuque, E a febre de eros dance Embora a morte retruque. Quem sabe te telefone Ou, só, bata um bom batuque. Ou no escuro eu desconverse As falas n' alta fervura. Ou talvez eu faça mais. Sabes bem o quê. Me apura O costume de ajeitar Mulher gozando cultura. Aos pés de teus uivos loucos, Te lamberei os buracos. Tirarei toda aspereza, Partindo teu corpo em nacos. Salgarei nossos braseiros Deixando-te nua em cacos. Nos intervalos da rua, Ou em becos sem quimeras, Por sob a minguante lua, Nosso amor em primaveras, Enquanto a tara flutua, Faz nossa carne sincera. (Começou a luz na tela!).

E SOFRE E CANTA E SANGRA

(E a esfera me ouve ao poço) - Por que o poeta sofre e canta? Por que seu sangue escorre, grosso, E sua pele esconde o osso De seu amor em letra branca? Quando a vi E alisei-lhe o rosto Com o olhar Houve música de tal forma ensurdecedora Que me dançaram os tímpanos da pele -Por que a lágrima faz lago, E este sol parece chuva, E este som parece nada, E esta fome dela turva-me? Quando a vi E alisei-lhe o rosto Havia nutrição No seu sorriso explosivo E me alimentei -Se vou subir, subo, caindo, E esta ave, voando, finge-me A Musa Insone, parente de Eros, Que dela parte e ao peito atinge-me. Quando a vi E alisei-lhe a face Havia um frescor infrene Nas gotas em sua língua E me banhei (Deu-me a Esfera uma cuspida, Me estremecendo o fio da vida)

AMAR COM QUEBRANTO

Como amar quem vos respira Sem risco de sufocar-vos? Como subir na árvore-sal Se os doces não têm qual? Como amar sem se porém Em si é tudo e é quantum? Como amar quem quer que quando Se amar vem com quebranto?

HISTÓRIA DO QUE NÃO PUBLICOU

(Não, não tenho livro de poemas...) Já lhe mencionei brevemente um dos mais conhecidos poetas, filho do sabão e do amoníaco, nascido em Bucatão, suicidando-se – padecendo de femeoidolatria, – enforcando-se com um poema - o primeiro seu, pontiagudo e longo. A sua vida não foi propriamente vida, pelo frio que continha de solidão. Na opinião de Gurilundo, teve o poeta o supremo “dom de exaltar o nada." Um dos mais conhecidos poetas, filho do sabão e do amoníaco, publicou o seu primeiro livro aos cinco anos, seis meses, um dia, meia hora, trinta e dois minutos e alguns milionésimos de segundo. Mais tarde, exila-se na Bonifácia, onde vende seu corpo para coroas; parte para Praia Enorme, e ali vive de «leite, tirado de prostitutas do pasto pink da noite»; frequenta cursos em Zonabuonapeste, traduz Mendigos Poetas que escreviam com a merda mais amarela que pegavam. Frequenta os meios intelectuais e pede esmola aos exilados bêbados casados com lésbicas indecisas e ricas. Regressa à Bucat

PRONTO, VOLTE NA PRÓXIMA

Sai da maré um momento (Falei e então a lua olhou-me). Não sei se você que só gira desconhecendo me conhece por estar sempre girando. Mas já que giras, lhe explico que, por vezes, nem sei se giro mais que tu no alto. Uns amam mais Cabral de Melo. E mais o amam mais Alguns. Mas só Cabral se sabia. Seus lábios tinham ranhuras ...mas quem as contava com certeza de engenheiro? Sabia o tamanho de sua busca? Eu não sei se quero o simples compreender do avesso ao tudo. Eu só vou; busco e tropeço muito na palavra, inseto que me dobra a pele e a verga. (Falei pra ti? Gira.)

ZUMBIZANJO

Lá vem meu anjo - zumbi. Direita e esquerda arrastando. Só eu tenho um anjo assim? Quando preciso, ainda vem. Sempre chegando após mim. Aos pedaços. Sangue em jorros. Um membro cai aqui, ali. Uma vez perdeu nariz. Fui lá buscar o petiz. Outra, orelha e mindinho. Ainda outra, seu fígado. Achei na vala a costela. Pra distorcer-me a poesia, Meu anjo não tem mais bossa. Quando se tornou zumbi? ...Não lembro. Mais gordo o vi? Mas está melhor que era. Está bem melhor, te afirmo. Foi-se a fingida elegância. Fede mais que brava fera. Foi-se a nobreza excessiva. Não quer mais pente nem base. Nem usa mais cinto de ouro. Virou zumbi. Quando? E eu sei? Sabe, nem quero saber. Vem pra cá. Sente o fedor? Derrubadas suas costas. Tenho de ajeitá-las. Bosta. Sentiu-te o sangue na mão. Eis que acelera. Já era. Capricha na oração.

ANTECIPAÇÃO

Os colegas estão morrendo. Não há mês em que eu não expresse condolências. Não há mês em que eu não tome cafezinho de velório. Num deles, trouxe um mosquito de defunto pra casa. Ficou se enchendo de meu sangue gordo. Ele sabe que não durará até minha morte. Está antecipando.

CHOVE DEMAIS AQUI

Chove demais aqui. Mas tenho de continuar. As meias encharcam. É o trabalho. Faltam oito anos. Pra quê? Meus colegas morrem. Bastou que parassem. Pararam. Morreram. Chove a cantos de cântaros. Cantarolando quebrantos. Cantam as nuvens nevando. Um cão late comigo. Tenho de chegar em que verdade? Vontade de tirar as meias molhadas.

FUI FONDO

Meu pai suicidou-se numa tarde. Minha mãe levava homens pra compensar a falta. Meu pai era manso como um revólver sem uso. Eu saia sempre pra comer as amigas de minha irmã. Havia sempre doses cavalares de alguma droga. Todas tinham cicatrizes no ânus. Não vão casar tão cedo. Não vão. Percebo a morte no entorno. Quando eu morri, simplesmente fui.

FEDE MUITO

Quando saio desta cela para o sol ando molemente com as calças caindo O ambiente fede a mijo Quando sento à frente do muro, alguém me joga um pacote cai uma carta no chão mais rápida que as calças O ambiente fede a mijo Quando volto pra cela pra penumbra tenho medo de não crer na minha própria inocência Esta cela é um quarto que fede a mijo pois minha filha não limpou a gaiola do hamster

PASSISTA NA LAVADORA

O corpo, sem seu contexto: A alma a sambar sem fala. A lagartixa a garrafa. A passista no limite sorri. O cabelo dela em marrafa. No barraco, Tempera a lavadora com azuis. Os olhos, diante dos Fatos/fotos mutantes. Hoje, quarta, amanhã, quinta, Depois do amanhã, só  Barquinhos de papel Nadando em sua sarjeta. Mas a memória na passista  Como roupa íntima  Grudou em seu destino  O carnaval eterno.

ENQUADRAMENTO

Enquadrando a região dos nossos troncos meus cabelos ralos e seus cabelos longos como cachoeiras e seus peitinhos doces como caquis dados, a câmera se aproxima do final enquanto o filme dorme nos nossos olhos frementes

MEU SENTIDO

a nudez do tempo é ter o gume de toda pele a nudez da chuva é ter a faca do coração disponível para o solo que fecunda o balanço dos postes os pássaros encasacados os uivos das telas as mentes começando pra cortar os seios de vidro das falsas convicções os corpos se arrastando as luzes aquentando excitando reanimando muitos querem no fundo o salário que compense a existência o prazer uma vez por dia por mais um pedaço de luar uma nesga de sol sossego ou barulho música calma ou não romance de papel de filme como um teste certo de errar o tempo arcaico meu sentido é ser o erro e a praça de adubos para avançar tecer amor com o que escreva a bancar o ser errático quero que este incerto reto ereto reste mostre o nem sempre exato e me curve Poesia, ao teu púbis

FALANDO DE FUKUHARA

Fukuhara fora  um bom policial. Enquanto tu  te preparavas para o sono, ele ia a lugares  sombrios  defender a liberdade da qual querias  fazer bom uso. Mas há quem não goste de quem defenda a liberdade para a segurança de ir e vir... Fukuhara fora  um bom policial, porém tinha  medo  como qualquer um de não voltar  a cada dia que saía. Como qualquer um, queria voltar pro seu amor, para uma  mesa tranquila, para um sofá macio  como nuvem. Como há quem inveje aquele que exerce seu dever para o direito alheio de  feliz andança... Fukuhara fora um bom policial. Ele não tinha uma capa  de homem-morcego, mas vestia um destemor infinito para limpar a sujeira  em tua intranquilidade. Ele não tinha a armadura do Homem-de-Ferro, mas, por ti, recebia no peito todo o tipo de intempéries que te ameaçavam. Como tantos outros  neste momento, Fukuhara teve seus dias e os povoou  de exemplar dignidade.

PALAVRAS DENTRO

Meu tudo é rever-me Sem que nada importe. Meus poemas-portas: Tábuas para o corte. Só o som é a chave. Vês nas mãos De vidro Lâminas bem tortas? São frágeis aportes De irreal atrito. Sabe, tenho às costas Asas em palitos, Penas quebradiças Da minha Desdita de escrever comigo Numa cela interna, Sem que os céus se importem E fogos me esquentem, Fujo enquanto posso Com palavras dentro, Por fora, me esfrio Na cela, sedento De léxico.

POR TANTOS PORQUÊS DEIXADOS NELA

Porque ele chora, está sorrindo, porque ele come, inveja um rei, porque ele dorme, atrasa um papa, porque ele veste, enfrenta um conde, porque ele adentra é movimento, mas fora dele está parado, porque ele adentra é movimento, mas fora dele está parado, assim que escreve é ouroboros, porque ele escreve na costela uma esfera sem por ponto, e então sua alma foge à tela, vazio o cheio se revela por ter consigo falho encontro

O SOL TROÇA

A mulher de cigarro na boca urina cacos de dor. Troça O sol da solidão rói na sua nuca Produzindo o rancor. Traça. O tempo sopra seu cigarro na pressa. Chora a farsa com cheiro oprimido, Devorando chips com hambúrgueres. Jogos mortais pegam na raça mais um político pelos relógios.

HUMILDADE

É tarde e estou dentro de um bus e bem atrás, de onde o cheiro reverbera, de uma porção de coisas, uma mendiga entre sacos de plástico sorri sem nariz. Uma outra mendiga finge ser madame, com um poodle, em francês caniche, com voz de plástico, do imaginário desfiado na mente branca do presente. No lado esquerdo do ônibus, um mendigo mela a mão com os raios de sóis líquidos. Quando desço, descem os mendigos comigo, caminham comigo desde há muito, a me ensinar que o excesso de perfume  pode esconder uma alma fétida.

FORMIGA DA HISTÓRIA

Contarei uma história em que uma formiga... Contarei essa história na falta de outro enredo  menos picante e doce. Contarei que ela alcançou  a borda do copo e que não pensou  em amor ou ódio enquanto quase morria. E que quando ferroou meu dedo assinou sua sentença de morte. Mergulhei-a no copo. Minha mãe diz  que é bom pra vista.

ABISMO DO EU

Muito do que foi Não recupero E de tanto repetir esse desenho Volto ao que não me tornei Ao tropeçar no errado signo Que caiu dos coletes do Bóson. Louvado seja o Bóson.

ALEGRIA COM ESCOLA RECHEADA

Hoje, há o deserto  e em cima dele o teu nada.  Mas isso é muito triste pra se escrever.  Concentro-me então no ontem. Ontem, na escola, eu era apetite feroz de amor.  Ontem, eu com garras de tempo-de-sobra.  Ontem, tinha desejos pelas colegas de direita  pensando nas da esquerda  e ao mesmo tempo  quebrava a testa nos vidros  da sala de literatura.  E era apenas o gordo poeta  que fazia poesias  com desenhos indecentes. O Brasil já tinha problemas  em seus dentes e gengivas.  E todos tentavam aumentar  o nível dos pratos.  Em Cubatão,  os intelectuais e jovens  sempre foram dados jogados  por quem os cooptasse.  Não todos.  O resto bebia ou treinava  com Mestre Cotidiano  obediente a seus pais.  Os artistas sempre foram  as vítimas preferenciais.  Esses bichas, essas putas,  esses destruidores de valores,  esses jovens profanos e ímpios,  esses velhos artistas juvenis,  esses esses, sempre foram esses  ululantes ao in

ALUGAR UM NÃO-ESTAR

Sei que há para lá um aqui mas alugar é caro. Um aqui para lá com casinhas de chuva. Há uma ilha em que todos estamos. Uma ilha de não dar pra morar. O preço dos aluguéis um absurdo. Há um não-estarmos quando alugamos. Mas o que há para lá? O outro, onde está? Meu conteúdo aqui é alugar o poema. Enquanto escrevo para o outro sem pedagogia. Soube de uma morte aqui do lado. O outro morreu mordido por um locador. Mentira mas verdade isso. Preciso de uma casa com aluguel baixo. Um poema já consegui sob as axilas. Há signos escorrendo por minhas costelas.

BOLSÓDROMO

Bolsas europeias operam em baixa. Mães européias estouram suas bolsas. E as campanhas de bolsas da DIOR??? Também há as pequenas bolsas da Cracolândia. Beija-Flor cego e sem faro mira os olhos de moça com bolsa a tiracolo.

CLOSE-UP'S

Na fímbria do horizonte, Nuas em eriçados de pérolas, Fazendo mesuras aos deuses Nomeados Close-ups da Mídia Elas estão ali, as musas Em vestidos efêmeros, Espelhos de cristal, Cobrando o preço aos sedentos Fausto observa, no céu-de-si, Depois de se enfastiar Do céu-dos-outros, Banhado na flor da dor Como aquele macaquinho Cuja mãe doía de água e peixes

DESORDEM UNIDA

Não deva! Não morda! Não minta!  Não viva! São vozes desde há muito.  Não! Não deixe de espetar a face das harpias! Deixe arroxearem pés dos que dizem: sentido! Faça...só descanse em desordem unida!

ENVELHECER O POEMA

Envelhecer o poema é como não sentir o sal da letra o açúcar da palavra e ter paciência com os cães sarnentos espedaçando o texto e as pombas sem migalhas nos braços da gramática sempre em carne viva....

MEUS ÚMEROS

Gastaste meus braços, Ene. Provaste meus úmeros. Guarda isso, que nem sempre vou estar aqui pra te ensinar. ..E eu amava tanto escrever-te a dor da ausência dos úmeros.

VOU MAS DEIXO GUARDO ESQUEÇO (reelaborado)

Vou mas deixo-te o espaço Onde possas traçar a volta de João e Maria Vou mas deixo-te o risco da Bruxa que engorda dedos Para que possas marcar as mãos com gorda saudade de mim Vou mas deixo-te a mania que tenho De deixar espaços para o pretérito Vou mas guardo no sótão nosso ovo de mágoas a zíper Vou olhar os classificados Uma Super-Mulher que faz tudo se oferece Inclusive Bife de Panela prepara com Bolo-Construção Vou mas guardo-te a zíper Vou olhar por aí até você voltar Como não sou de ferro tenho de tirar o atraso Do relógio vagabundo do Paraguai Que você me deu no dia do aniversário do casamento Que eu me esqueci mas quero me lembrar Por isso quando você voltar me lembre de lembrar A mania que tenho de pescar inexistencias na memória

CUBATÃO DE VINTE E POUCOS

Quando tinha uns vinte e poucos, agitou o leque em butanol tolueno, benzeno, acrilato de butila, hidrocarboneto, até xulezasso de botina pra zuar o c(l)oreto. Ela era assim: Cubatão era doida, doidíssima, de tanto tóxico, em 1979. A gente saía pra fumaças homéricas. Hoje, ela é careta, 482 anos com corpinho de 66, e tem muitos filhos pra cuidar. Teve recaídas, vestindo fios de rio oleoso e colorido. Mas passou.

ZELLUZINDO MACHADOS

Amou-o demais a vida.  Por amá-lo bem a vida mais a vida muito amou.  Não fez com ela dívidas.  Sempre à vida muito deu.  Honrou tudo em seu tempo. Sonhos? Sempre maiores que o tamanho do som..  Amigos teve. Conquistou-os pra todo o sempre.  Como se deve fazer com os amigos por amor ao além da Amizade. Um leão. Era um leão. Ou melhor, um mico-leão-dourado.  Tinha ouro na sensibilidade de leão de Oz. Ágil como um leopardo no estender a mão.  Mas suave no carinho com seu som. No palco, em vitalidade, seu corpo acordava sons dormentes. A Arte era a coroa que desbastava  com seu machado de eterna juventude.  Seu jardim tinha flores de rock,  maracatu, balada, rap e muitas outras flores populares.  Era tanta vida em seu ser  que sua alma não cabia mais no corpo que rasgava.  Por vezes, a carne cambaleava com a leveza farta do seu ser. Um dia acordou. Na porta um ex-deus num furacão erguido.  Talvez do Kansas ou de uma canção surgido.  Empunhava uma guitarra. E o chamou pra farra. Zelluziam

NA FAIXA O HOMEM (reelaborado)

Um mendigo.... Que ardente apelo o Faz ter dor por dentro? Seu bafo deforma ou Senta diferente? Nas tetas da rua As marcas de dente São dele, são tuas E de toda gente. Em volta, monstros com pneus. Um homem atravessa na faixa. Com o que sobra, o asfalto. De tanto mover os pés, Quando grita, o grito é salto. Nem bom, nem mau, Em meio à fuligem Da sua consciência Em vertigem. Descalço, no tronco Dos pés, o machado Do tempo. Invisível. Ela está sorrindo A andar, e, andando, Procura um espelho, Para seu ser côncavo. Tem cheiro de sombra O seu desencanto.

ÉTICA TICA (reelaborado)

A Ética tem que ser atlética? Tem que ser raqu(ética)? Preenche cué(ti)cas? Revela calcinhas? É universal? Subjetiva? Tem palavra na Política? A quereríamos Pol(ética)? Há política de Palavra? Fotografa a moda ágrafa? Nada de costas nos maressígnicos? Mata amálgamas líricos? Côncava? Convexa? Faz “flash” em “realities”? A Ética inconseqüente Por vezes mente e Lista mil motivos egoístas Pra não focar o Dever. Isso no Brasil Onde a Ética faz juras Em 1º de abril.

NÃO SE SABE SE A DESTERRO

Não se sabe se a desterro, Não se sabe se a naufrágio, Ou se o seu mapa deu erro, Ou se da nau lhe empurraram. Só se sabe que o Ramalho Aportou no Cubatão E pôs amor na filhinha Do cacique, com desejo. O Ramalho e sua índia Aqui se amalgamaram. Ajudaram ao Martim Com saberes que aliaram. Martim doou sesmarias Para boa ocupação. Vieram depois rap'rigas Para a multiplicação. E Doutor Pinto, Rui Pinto E outro Pinto notório Ganharam sem nenhum risco Cubatenses territórios. Pintos deram joãozinhos E outras mariazinhas. Com tal enchente de pintos Cubatão pintou todinha.

SUANDO AO TRAÇAR-TE

Tez ensolarada, Desenhei-te o rosto Toando na toalha Teu sonho feliz, Sei que fiz, mais nada. O traço retraça Teu nascer em mim E teu rosto altar Não dá dor ou jaça Desenhado aqui. Nem te iguala o ar, Nem te alcança o céu. Doce, és mais que mel; Sal, és mais que o mar. Pudesse eu viver Leve, no traçar O momento algum No (in)finito ver A ti, fartara