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Mostrando postagens de maio, 2013

SEM LERO

Sem muito lero-lero, vamos dançar este bolero, meio no céu meio no fogo e, lento, dizer: - te quero. E depois pedir: - de novo.

VARRENDO

Estava varrendo a casa. Um papel voava ao léu. Aquilo me preocupou. Não podia esse papel ir pelo caos. Peguei o papel de minha vida. Aquietei-o no prego da calma. Afinal, já tinha mais de trinta. Ou mais de vinte? Ou mais de cinquenta? Ou mais de vinte e cinco biênios? Mas no prego deixou de me preocupar.

SANGUE NOS OLHOS

O ratinho morava  no fogão lírico. Olhos o observavam  há tempos. Tentou ele ser amigo,  confesso. Decorou até meu livro  do que-mesmo. O ratinho - um poema amarfanhado. Estava o eu-ratoeira com sangue nos olhos.

VENCEREMOS

Enfrentarei os teus anjos negros, Lúcia Oliver, com pedaços de aurora e nuvens de maçã. Nos países cobertos de tempestades, semearei as terras com bons sentimentos, cheios de cor e um pouco de fúria, por ti. De dentro do caixão escaparei para percorrer teus infernos doces, colocarei sonhos na tua boca e tua cabeça deitarei em nuvens leves. Quando acordares, haverá um língua nova, feita da infinita variação de quatro letras: A M O R. Depois, iremos às ilhas, às sete ilhas do arquipélago aceso de febre, da boa febre dos encantados, da boa febre da pele dos casais. Aprenderemos a tecer relâmpagos diretamente do coração e venceremos a morte com algodão doce.

SERPENTES NOS JARDINS DA MENTE

Disse o Grilo, verdolengo que gostava de pombas depenadas, que juntos somos eternos e isso foi às quinze horas e quarenta e oito minutos, antes dos corpos entrarem e estilhaçarem as imagens que protegiam nossos seres, emparedando nossos pensamentos antes de nossas cômodas nuvens, geradas de arcaicas mulheres junto à fome desde o começo do quaternário, quando expulsos no exato momento  em que titãs defecavam serpentes nos jardins da mente, que eram feitos no alto de nossos cérebros  com flores mortas  por palavras pontiagudas como estas paridas por este escritor assassino sob contrato permanente da alma...

IRREPRIMÍVEIS

Irreprimíveis, às vezes, as águas agitam-nos. Mal levantamos as mãos, afogam-nos. Não podemos nos conter, e o líquido verbo domina. Intermináveis braços criamos para de(letrá-lo).

CONFISSÕES DE UM DAIMON

Sento-me na calçada, a olhar insone o que deixaram pra que eu olhasse. Aqui criaturas celestes sorriam. A lua pairou ontem aqui para relaxar e acordar meus lobos internos . Passo as mãos pela calçada e toco num alfinete. Sangro. Queria sentir o cheiro de cada noite durante o dia. Me ponho a perguntar sobre sentidos de coisas que jamais aconteceram. Me ponho a perguntar sobre conceitos de vida e da morte. Me ponho a perguntar do rastilho que a lua deixa nos líricos. E o que eu penso do caminho E seu potencial de medos? Sento exatamente onde a lua brilha encaixando o corpo-palavra. É um canto perigoso por provocar demasiadas perguntas em seu frio constante. Na verdade, sou um daimon. Tive que derrubar aquele anjo E tomar o seu lugar.

ESPERA PARA APÓS

Espero para após As mádidas delícias. Embora agora os pássaros Do espaço gargalhem, Seus cantos proféticos Ajudam na espera. Minha espera não esgarça, É aço e o tempo a tempera Em sua alça.

COMIDA NÃO É SÓ

Se eu te prometer Muito mais depois Cumprir e amar-te com arroz e eter? Se eu me dominar Quem já me sou? Amores me farás No corredor? Se me vem a sorte E eu puder estar Acima da morte, Podes lalentar? Se tentar mudar ou Se viver de boa, Me enluarás Em tuas broas?

FOME DO TEMPO

Se tudo fica muito escuro e não dá pra pegar a xícara e não dá pra achar a escada nem pra achar o chuveiro e nem pra dar comida ao cão é que o tempo parou de dançar por solidão e fome mas se você lhe der pedaços de alma o tempo dança em recomeço e há razão de crença no espaço da tempestade em você que tateia o inquieto mar e tudo pode voltar a funcionar na casa de dentro do poema sem outra chave que não esta

SONETO DE ÁGUAS DIVIDIDAS

Necessita o eu de estar Onde vai a noite a pino. De tanta lua, me sonho Sol soltando os intestinos. Que vença a morte outros versos, Que nos meus há muitos medos, Por não ser muito disposto A ter coragem nos dedos. Necessitam que me mude, Que concorde e seja imerso Em valente atitude. Mas o espelho enxerido Se estilhaça e o interno açude Medra águas divididas.

EM UM FILME NA TV

Estava eu sobre o sofá Bebendo um vinho gelado. Passou em um calhambeque Dentro de um filme afamado. Passou na tela um instante. Foi pro lado e assim sumiu. No filme, sumiu, fantasma Que todo o meu ser buliu. Paixão buscada em canção, Sem palavras condoreiras, Uma pintinha em seu queixo, Rosto de flores brejeiras. Desejo ou tola vontade? Amor ou vão sentimento? Tufão ou vento de luz? ...Nascente flor de momento. Desejo que morde e assopra, Desejo a gemer de medo. Feito em gostosa preguiça. Desejo em tela, segredo. Estava eu no sofá Olhando o filme, calminho, E a moça do filme olhou-me Piscou-me e cuspiu no vinho.

ROMANTIQUINHO

Não tive ideia quando vi você. Como ter ideia quando a gente olha A razão de tudo e ter seu porquê Se o pensamento foge nessa hora? Não tive ideia da razão de ser Da razão de estar de existir talvez. Só tive no olhar o seu todo e ter O seu todo é ver o amor de vez.

MEU MITO DE ATAR-TE (ESTILO OU....FIM)

Para melhor matar-me (me-atar-te) Travei batalhas com vocábulos escuros. Não te rias, minha ovelha-negra. Eles eram fortes, duros como pedras. Vocábulos escuros são fortes de mentira, Mas as mentiras arredondam. Quando se mostraram, eu - créu. Olha a ponta de meu verbo raso em teu umbigo fundo. Tu não lembras, ninfa?  Me traíste em todas as idades.  E dei-te mágoas, espantos, enquanto melava-me  os abstratos olhos míopes com os teus filamentos de traíra. Não crês? Eu também não. Mas está aqui. Escrito agora.  Como se tivesse acontecido. Escrito na minha pele,  herança da pele de meus pais  e avós e outros antes deles,  alguns com busto de bronze ou pele de lobisomem. ....E na época das ondas amarelas?  Era teu escravo, falso eunuco, e para deleitar Netuno,  que feriras em teu muco,  me renegaste as idéias. Lembras agora? Esforça-te. Comeste todas as idéias  das bibliotecas rubras  do meu oceano de dentro Não - Pacífico. Trago de lá a este tempo

OSSOS PARA O PIEDOSO

Onde ele arranja tanta piedade? Não o deixam morrer de fome. Sempre uns cães ao redor, Alimentando-o com o focinho. Não o deixam, sempre Esmola na hora certa Em que a fome o esmigalha. Uma mão sempre se estende. Todos louvam seu sorriso de janelas. Todos curtem sua mínima palavra. Onde ele arranja tanta piedade? Sempre uns cães ao redor. Ele sempre começa: Oi, todos! E todos se apiedam.

MULHER IRREMEDIÁVEL

A mulher que surgirá emparelhada em nossa pista Virá com seus olhos sobranceiros. Ostentará sua intrepidez sem desmazelo: rainha de seu destino. E será altiva, tendo a consciência como armadura. Saberá andar por entre as realizações masculinas sem se humilhar. Trará a mulher seus dentes que os escovemos com paixão. Trará sua dignidade para que a limpemos com amor. Só ela saberá que não somos originais. Só ela verá que ainda somos crianças. Só ela espantará tranquila nossa insegurança.

MERGULHO EM TI

Minha língua vai criando oceanos, Percorrendo continentes, ilhas e vales, Deslizando-te signos de amor na testa, pupilas, E tombando em teu pescoço como símbolo ardente. Febre líquida em torno de teu sentido íntimo, Teu umbigo rio onde mergulho angústias milenares E atinjo-te o vale do gozo - céu e sombra. Então, a sensação de elevar rios a oceanos. Restando afogar-me, matar o amor em ti.

RENDER O QUE SE DEVE AOS NUMES

Três ovos quebrados no chão. "Não cabe a todos ser no prélio exímios." Se tivesse tela, faria um ovo dos três. "Romper o muro e derribar trincheiras." Se tivesse fome, pintaria uma natureza morta. Em Tróia muitos morreram empanados em sangue. Minhas filhas já sabem fazer bolo.  Entornaram no PC os ovos. "Nem combatera eu mesmo, nem te instara  Pela fama a pugnar; mas dos mil transes  Letais ninguém se exime: eia, ganhemos..." Choraram as minhas meninas. E eu disse apenas: três tróias a menos. Tudo passa, como num filme Que começa e termina e no ontem fica. Em gema e clara, meu hoje nasceu. Um dia às vezes tem que ser assim. "Bom é render o que se deve aos numes."

CORAGEM

Sou escândalo poético porque não me mando mais só o papel é mãe e pai e o que quer que pinte que o papel me peça é quanto me vai Não brigo com os dedos eles brigam comigo só minha coragem corre perigo quando me escrevo e a grito

SÉRIO

Eu sou sério e não tenho bigode vê se pode e meu sentir é veloz até o próximo naufrágio Eu escrevo torto apesar de sério quando estiver reto vou pro cemitério (mas vai demorar, espero)

SONHO

Um hom'encantado sonha diferente de lado e de frente, voando, entornado Um homem com sonhos pelo amor de deus é um homem com sonhos nada mais, ó meu! Inimigos traz sempre esse herói entre os que destroem o que o sonho faz...

CAVALO MANCO

Sou como um cavalo manco cavalgando nas campinas solitário como um deus que tomou estricnina e não morreu Sou um pouco crente um pouco ateu só quem me desmente sou eu e penso na morte como no amor Por essas campinas sou um sonhador num cavalo sem pelos galopando manco mas galopando

FODA

Mina, procuro a palavra foda. Mas não pela palavra em si. Pelo seu potencial de afastamento. Digo foda, foda, foda. E todos desviam os olhos do poema. A palavra foda é mal falada. Mas todos querem seu potencial de orgasmo. Palavra com muita vida e muita morte. Não preciso, não quero OXI. Quero os ossos do teu sorriso,  Quero o sorriso da tua boceta, O cheiro natural do teu bafo, O cheiro dos teus peidos, O suor de tua bunda, Quero a essência de tua animalidade, E em ti quero achar com o tato A palavra foda.

NÍOBE, NÃO DURMO

Níobe, não durmo. Morcegos se inquietam na noite. Estão sobre meus ombros. Nessa rua qualquer em que te vejo, A mascar um naco de riso de crianças De suas crianças Que os filhos de Leto afugentaram Para bem distante. Contudo tua alma ouve as sete meninas Que dizem boa noite talvez para teu retrato, Todavia tua alma ouve os sete meninos Que choram na noitinha por ti. Tua alma não me ouve, O Universo não o quer. O destino: estes morcegos nos ombros. Rolei a rocha e estou cansado. Estou à beira desse morro em que sonhas. Há o frio Há o frio cortante Em teu útero aberto também.

ME ESCUTA, SIM

Busco gestos leves, Senhora, Para não mover-te o chão. Não ouso o sal e sim o sol. Ou o sol em mirada interior. Para não destronar-me. Neste reino, crio meus tronos. Ora de ouro, ora de paina. Pois eis que nasceu sob as unhas Uma flor com muito espinho. Fazendo-me ver a dor por detrás De centenas de crianças sorrindo. Como sóis e gaivotas e letras, Este é o amor que posso te dar....

TÃO NADA

Tão fácil perguntar: Você se sabe? Tão fácil responder: Sei. Nada fácil perguntar: Você se procura? Nada fácil responder: Me encontrei. E assim Os espelhos chamam Para a sinceridade.

POMPEIAMOR

Beijo atingiu sem dó. Nenhum dos dois Teve tanta culpa, Ele olhou, Ela olhou, Mas não foram os olhos, Foi a proximidade Da pele de ambos, Cheiro, corpos bambos. Disseram arqueólogos Que decifraram seu amor. Mais valeu-lhes o ficarem Do que fugirem das lavas do vulcão.

LÍQUIDO VERBO

Irreprimíveis, às vezes, as águas agitam-nos. Mal levantamos as mãos, afogam-nos com suas palavras. Não podemos nos conter e o líquido verbo domina. Intermináveis braços criamos para nadar e sobreviver.

VÍRUS DA PAIXÃO

A doença salubre da paixão...ela.... como um cavalo a galopar seu vírus. Pisou no meu pé de pedra em pó com sua pata de tempestade. Atuou no menisco do coração, impossibilitando a joelhada cordial. A doença salutar da paixão...ela.... ela como um camelo sutil, cuspindo um oceano, me fez cair da mesinha no piso em vidro do amor e torceu-me a coluna de cristal, impossibilitando o salto dos olhos para o racional. A doença insalubre da paixão curvando-nos a fala...ela.... Ela como um exaustor sugou-me palavras que eu tinha polido.

CLERO MENDAZ

Por que deixas no teu blog estes anseios de estoque? - Tenho de achar no logos um sentido que me enfoque. Por que procuras leitores para coisa tão fugaz? - Tenho de compor-me um clero que creia e seja mendaz.

DOLORES BOCHECHAS BELAS

Dolores tem bochechas belas como faces divinas de pensar. Pediu a Quem Dar Pode a boneca em faniquitos da Loja Sem Tijolos. Dolores vai com sua dor pro Lixão levar papai-que-abusava-dela, morto na sexta no Bar do  Tonho. Nada despetala as flores que nascem mais róseas em suas bochechas livres de abuso e belas como dor de cereja.

INFINITOS NUS DI/VERSOS

A nudez de Manoela suas coxas de alabastro tão potentes quanto belas torna poeta ao poetastro A nudez de Aparecida seus peitinhos de pelica tão redondos quão bicudos torna macho ao que trupica A nudez de Raimunda sua bunda infinitude tão cachoeira com mistérios quanto mais rebola ilude A nudez de Guilhermina sua cinturinha plena como um cálice de vinho a nosso medo apequena A nudez de Luciana sua coxinha lisboeta banhada em puro azeite nos livra da má careta Abre Júlia Oliveira suas graças fechadinhas apimentadas nos meios docinhos bem nas pontinhas Descendem das gregas musas, filhas de Mosine e Zeus, vejo-as todas no banho... Deus meu! Deus meu! A nudez dessas mulheres imaginei no universo o tudo florindo o nada útero do multiverso Curtir Mostrar mais reações Comentar Compartilhar Comentários Escreva um comentário...

NO OLHO CANTANTE DA ALMA COM OSSOS

Suspende o instante, leitor relevante, e de olho na frase encante rocinantes, muito embora lentos, tontos, arquejantes, deem medo entre pastos estafantes. Venham ventos, ventres. Que a seu campo encorpem sonhos inclementes, delírios ingentes, idéias heróicas, pesadelos nobres, no olho cantante da alma com ossos. Nua nos poços A mocidade.

ALMAS SOB CALCANHARES

Uma menina recebe um tiro como presente do Talebã como se fosse uma balinha refrescante de hortelã. O Talebã, com seus falos-canhões, fuma charutos-peles de mulheres e rasga, sorridente, o véu que cobre suas almas com seus calcanhares.

CONSTRUÇÃO DE SEMÂNTICAS

Agora, neste instante, Como apagar os traços? Viciado em um verbo que inda engatinha. Vai o verbo excedendo o espaço. A poesia? Nos fatos, os dentes, deformo-a. No claro, os escuros No sangue finjo. Hei de estancar-me sempre, Após chacoalharem meus mares. Busco explorar semânticas Para construir para alguém.

ALMA SACUDIDA NA VIRILHA DE DEUS

Não havia mais tempo. Os ponteiros fugiram. Era necessário fechar. Angela bateu as asas. O deslizamento. O som se arrastou. Sem Bach. Sem A nuvem clássica. No céu os joelhos. Na boca os céus. Sem joelhos na terra, Com terra nos joelhos. O deslizamento. Arrastou-se o som. O monte dançou e gingou, As placas tectônicas. Desnorteando o trovão, As axilas de Gaia. Enquanto o rio apenas rugia, A alma sacudia na virilha de Deus.

O CINEMA RESTAUROU-NOS

Essas pragas são repetidas. Vi no cinema. O cinema restaurou-nos. Surgiram rãs cozidas e bem temperadas. Piolhos em palitinhos numa feira chinesa. A água virou groselha com adição de mercúrio. Feras no espeto direto nos pratos. Pedaços de Esfinge e de Minotauro. Suspensas epidemias, úlceras e granizo. Gafanhotos vieram crocantes. Uma leve escuridão: jantar de velas. Convite aos primogênitos pra contarem piadas... Só tomo água com cloro de fábulas.

FECHOS INCONCLUSOS

Fechos armados, Fachos inertes, Fechos ramados, Fachos atados, Fechos incréus, Fachos estéreis, Fechos abertos, Fachos exatos, Fechas os fachos, Fechas nos fechos Fachadas fixas De idéias feitas, De idéias michas, Inconclusivas

O CAMINHO

Brilhou a estrela Na Boca Divina, Nasceu bebê Fi- Lho  Do Bafo Mofino E celeste do Pai, Que estava na esquina Comendo, sem cor, Vermelhos ovinhos Cozidos no ardor, Com pinga curtida No calor do sol. Previ que a dor Bem trespassaria A alma do Filho, Tão logo crescesse, Embora o Amor Do vô Kaosdionor E da vó Kaosita. Nasceu cá no bairro, Provava as malditas Em copos de barro E olhava as calcinhas Da Musa do Claro. Té que veio a pedra Em sua virilha, Deixando-lhe escuro, Jogada por Poeta Que amava a musa, Sua irmã (incesto) E  fugiu na vida Depois do seu gesto. Rezei a Deus-Tao Que o desviasse Da sede de sangue E gota de poema Tingiu-me as pupilas. Deus-Fi té sangrou, Mas o que deu pista Carruagem o pegou Cortando-lhe os poemas, O caralho e a pinta, Virando Castrat, A Aurora Retinta. Também quem mandou, Quem tem alma "pig" Tem lama e palor. As placas de fogo Da tal carruagem Ninguém anotou, Pois todos dormiam. Ela até parou Pr

ELE E ELA FORAM BONS

Ele foi um homem bom, mas de que vale ser um homem bom se a vida está pela hora da morte? De que vale ser um homem bom se a morte está muito bela para sujeitar atitudes? Ela foi uma mulher humilde, mas de que vale a humildade se o mar está encapelado há muito? Ele, sempre pronto a revisitar-se a rever-se a procurar respostas a ensaiar soluções, mas de que vale isso se o ato de pensar ficou agreste e o próximo segue o valor de mercado distante de possíveis? Ela tinha o espírito aberto, perseverava quotidianamente no hábito de sair ás cinco horas para a caminhada rente à estrada de ferro, da Igreja Matriz Católica até o final da Vila São José, mas de que adiantava todo esse esforço, se implicava na perda do tempo roubado de fazer um poema mesmo temporão que não poderia nascer em horário diverso? A ele tudo fascinava, quer um pássaro cego, quer uma palavra morta, quer uma música de asas reflexas, quer um cafezinho com amigos poetas, mas de que servia tudo isso, se tudo isso findava na rea

WOLF HITLER E A AMADA EVA

Tudo começou em uma noite de outubro de 1929,  quando um senhor chamado Wolf Adolf entrou na loja onde Eva (futura Adolf) brincava de  Árvore da Vida mostrando suas costelas  e a amansar pássaros no ar.....  O patrão então mandou Eva ir comprar cervejas e tira-gostos em um lugar à beira do fosso. Ela voltou cantarolando Chopin e saltou aos ombros de Wolf. As costelas ardem no (des)corpo do fuhrer. E descansam suas cabeças, tanto a mulher quanto o lobo, em travesseiros recheados por cabelos de um judeu escolhido a dedo por seus pelos finos e ondulados como de um lobinho.

NÃO MEXAMOS COM OS CORPOS UNIDOS

Estão os corpos unidos, coloca um pouco de mel  e pele de anjo. Unidos os corpos junto ao muro, não sabem que noivarão, nem sabem que, para casarem, precisarão quebrar a cabeça para arranjar padrinhos de boa índole e que sorriam para fotos brilhantes as quais custarão os olhos da cara se forem pobres. Não mexamos com eles, com esses corpos bonitos  como a flor da aurora. Bebamos o vinho do tempo.

MAIS FÉ

O que posso desdizer, dizer do amor? Da dor? E daquele  ser-não-ser ali que pensa ser de merda sob cobertas, de cabelos sujos pedindo moedas pra comprar cigarro pra encher de birita a cara só birita sem mulher pra não dividir sequer. E daquele outro que é bom pai bom filho bom esposo. Trocou de crença e hoje é católico e ontem foi espírita e anteontem budista e atrás de anteontem foi ator pornô e chupava na esquina meninas maduras e comia vereadores perdidos e ex-prefeitos cassados, segundo um jornal fodido e fadado ao lixo. Não posso dizer do amor. Nem da dor. Nem daquele que beija umoutro. Ou daquela que beija umoutra. Nem daquele que beija um morto só por rima. Nem daqueles neutros posso dizer um tanto. Mas digo de teu rosto de deusa reles que um bem danado pros dedos fazem e que me limpam quando te sujo branca página me trazem mais fé .

ALMA DAS 23

Às 23 horas, saí à rua. Tudo tão deserto. Mas tudo tão tranquilo. Como se dormisse a alma do planeta. A cadela olhando à volta. As suas quatro patas fazem-se duas. Há uma intimidade dela com a lua. Não penso sobre o sentido disto. A não ser quando abro a alma.

TAMPOUCO SOU NEM

Mas não sou como Solano, o poeta popular, sou mais o fora de esquema, apoemando a queimar. Não, vou indo como posso, só compasso sobre a areia, valho por ser paradoxo, louco por céu e sereia. Tampouco sou de virada, como disse um ser do mundo e é meu verbo de nada superficial profundo.

CAQUI QUE FALA

O caqui, fruta que fala com voz quente e feminina: - Vem me provar! - e, ao se dar, vermelhinha, muito mais fome nos dá. Foi Rubem Alves que disse eu faço é acreditar... Amém caqui? Amém!

VEJA BEM

Veja bem, querida... Se acaso amanhecer do anoitecer em nossos prados Se acaso trovejar o chão de lado Se acaso a vida assim brotar De um céu pisado como sangue Se acaso a porta abrir fechada Mesmo em meio ao vão Se outro eu nascer morrendo embora enfim Se acaso transitar o corpo enquanto o digo Se me embeber do que Eros me serve E que jaz no monte e vale em seu umbigo Mesmo em meio, veja.

FERIDO DE LUAS

Pra fazer dores apareceste No umbral da minha manhã. Me atingiste com perdas na visão. Me atingiste com pedras no olhar. Tuas retinas doíam-me no peito. Lancetaram-me e sadicamente Simularam uma estocada perfeita Com a borda de teus olhos. Teu ser feriu-me de luas pois Anoiteceram-me a faca e o garfo Que estavam em minhas mãos Para comer minha porção de sol.

MAGNO DIREITO

Sei que, de mãos calosas, um homem Pode derrubar um prato. Mesmo tu, Sem calos, adquiriste o direito A derrubar o fogo de Prometeu. É teu o magno e inelutável direito De esfarelar a luz Moldando signos em carne escura E de chorar como quem assistisse novelas E tivesse os olhos mortos em todas elas.

DESPREZAMOS A CADELA

Ficou a casa escura. A porta fechada. A cadela mugia. Cadela ou boi? Como um boi-nostalgia. Mudamos para nichos de plástico. E continuamos indo a nossas igrejas. Repito, a velha casa ficou escura. As paredes descascadas. Infiltrações no teto. A porta fechada. A cadela mugindo. E a gente via de longe. A salivar ante o findar Da cadela Ética, Que foi morrendo lá dentro, No lar que abandonamos. Apesar de jurarmos amor à cidade, Deixamos a cadela lá.

DECLARAÇÃO À ARTE

Sou firme no amor a ti, ó Arte, embora dúbio seja, a me espreguiçar, sem vontade a não ser de ser  folha verde a flutuar-te, sou firme ao seguir e rastej'Arte como Morrison a dionisar-se, caem de mim os cílios por dizer-me poeta e estar convencido de o ser, depois os olhos, dedos, mãos, pés, pernas, tronco, cabeça, e no caminho cheio de um eu a varejo brota um buraco qual uma boca a sugar o nada de onde parto para qualquer coisa que o amor à Arte falhe

LUME DE COSTAS

Olhando-te as costas, sem você me ver, crio poema em curvas, sem querer. Vê-la se arqueando, pegando um papel, deixa emudecido o céu. Sei que preocupas -Te com o espelho, mas é lento e só te enruga os joelhos. Vais andando e não percebes o meu olhar de febre. Absorvo o teu perfume. És Sol? Lua? Lume?

TALVEZ SEJA O PREPARO PARA A POESIA

Talvez olhar uma imagem bonita com violetas e azuis a sair da noite desafiando as constelações. Ouvir uma canção com coração (ou não), mesmo que "in memoriam". Talvez olhar um cão andar com três patas. Talvez olhar pela televisão uma menina presa entre escórias, sorrindo na esperança que bombeiros a tirem dali com vida aos ombros. Talvez olhar uma mulher subir por uma corda quando todas as chances eram contra ela, uma mulher de 48 ou 53 anos por aí, chamada Ilair ou algum nome assim, numa enchente impiedosamente natural, ou vice-versa. Talvez olhar uma rosa, mesmo de soslaio. Olhar um rosto, mesmo de passagem. Um gesto no ar, mesmo rápido. Um casal se beijando num banco quebrado. O poema "O sul" de Jorge Luis Borges. Talvez isso tudo prepare o olhar para o poema que salvará o dia findo do poeta.

POEMA DE CARNE DIVIDIDA

Não escrevo só pra minha vida. Nem só pra sua nem pra de ninguém. Eu escrevo sim para as muitas almas Que Grande Pessoa disse que o ser tem. Guardo no poema coisas que não vêm E que, quando chegam, estão derretidas Por um não-querer, não-chegar, não ter, Coisas de mil almas, no ser divididas. Como posso dar-te uma definição Se dá-me o poema a carne dividida? Se a cada hora dou contradição? As minhas verdades adrede fingidas Existem no ser como condição De chegar ao cerne da (in)sincera vida.

MINHALMA DE FOCOS

Minha pele de tábuas,  minha alma de focos. Desde o nascimento  rangem os meus átomos. Nasci teatro,  deuses mil invoco, Sendo o mais certo  um que chamo Dúvida. Há pregos em ferrugem  no meu verbo. Há tábuas dissolvendo  em minha testa. Alguma coisa aconteceu. E nem dei por mim. Embora soltas,  pausas me fortalecem. Sou feito de tábuas de silêncio. Afeito desde muito  à música do teatro. Há tempos tive feição. Há tempos fui bonito,  como um retrato belo  de alguém. Porém, exposto à luz,  fui desvirando a roupa.

JAKE LABRADOR

Você não quer descansar? - ...... Já salvaste mais de mil. Senta. -...... Pelo menos, aceita este pão. - .....  (Sonho com Jake, concentrado Em achar os vivos. Ele, que fora abandonado Entre os mortos aos dez meses. Que aprendera nas ruas a ser esperto, Apesar de ser pego várias vezes. Gostava de baganas de chuva, Enroladas no orvalho de folhas. Ele está concentrado. Ouviu alguma coisa. Uma voz ao longe Em meio a escombros. Como ele é rápido! Uma parede vai desabar! Ufa! Escapou. Por pouco. Ele está trazendo um braço. Mas o homem tá vivo! Graças a Deus que o mandou Quando todos tinham ido! Dorme pouco, o sono adia. Acorda e já vai pra luta. Quantos salvará? – Muitos. Quantos deixará? – Muitos. Salvara no World Trade. Servira em New Orleans Após a tempestade Katrina. E era pra ser um condenado Ao abandono das marquises. Era pra ser, mas hoje Só pensa em salvar e vai! Podia estar numa casa rica. Brincand

JU TINHA VINTE E POUCOS

Ju foi tirada da pista. Tinha vinte e poucos anos. Seu pai ainda não sabe. Sua mãe ainda não sabe. Todos que olham seu rosto  Emplastado na avenida dizem: - Que pena! Tão jovem! Mas a dor trabalha em outro canto. Em outro canto está prestes a desaguar. Longe da avenida a casa de Juliana. Seus pais almoçam longe. Estão felizes longe. Não entendem ainda a dor que se prepara. A dor estará perto demais. Apertará os corações. Que despejarão oceanos com remoinhos. Mas por enquanto almoçam. Não entendem o fluxo preparando o dentro. Vão saber que ela tentou fugir com Geraldinho, Vão saber que não adiantou contrariar o namoro Em nome da rigidez de velhos e (in)seguros princípios, Vão saber que foi errado tratá-la com desrespeito. Quem agora iria passear com a cachorrinha de manhã Pra ela fazer xixi no jardim do vereador ladrão?