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Mostrando postagens de junho, 2013

O MEDO SEM CAL

O medo nasceu de amarrarem nossos eus no duro breu de certezas Pusilânimes tiranos usando ungida palavra nos implantaram o medo da dança fértil Não pressentimos: abriu-se qual flor o medo profundo do clarão das coisas

AOS POETAS O ENIGMA

Qual todos os homens, o poeta acorda, qual todos, ele ri e chora, e erra tanto quanto o rei da Inglaterra, qual todos, ele tira a meleca do nariz quando só uma pessoa por acaso o vê. Qual todos os homens, o poeta vive, qual todos, morre a cada desamor, e precisa do seu perdão, mesmo que você não o dê, e qual todos cutuca os ouvidos com as unhas quando só uma pessoa por acaso nota. Qual todos os homens, o poeta cansa, e cansado reza ou não pro escuro chegar, e o escuro não chega tão rápido quanto quer como ocorre com todos os homens que têm pressa. Qual todos os homens, o poeta quer marcar com lápis grosso o destino incerto, quer assinar papéis inúteis com inutilidades, quer deixar nos outros uma saudade como flâmula. Qual todos, quer chegar de novo ao porto onde deixou o mais fundo de si mesmo, quer abraçar de novo os adultos mais altos que puder encontrar, e os nomear seus deuses, garantia de primícias. Qual todos, os poetas confirmam o enigma da esfinge depois do sexo com suas areias

MEU ABRIR

Meu tudo é abrir-te Palavra Sem que o tempo importe. Há poemas-portas: Carne para o corte. Só a dor é chave. Recurvada. Vês nas mãos De vidro em simulacro Lâminas bem tortas? Frágeis aportes De irreal atrito. Ter às costas Asas em palitos, Penas quebradiças De desdita e pele póstera... Sem que os céus se importem E fogos esquentem, Ao que és entortam As palavras dentro.

DE ENTRE AS FERRAGENS

Há muitas vozes. Muitos poemas querendo viver. E o útero da minha mente vaza. A cabeça dói muito. Uma montanha em dores. Sei que quando estamos sós Não estamos sós E há sois Agora nublados Este poema teima em querer ser verdadeiro Mas é falso Não acreditem nos meus sóis nublados O poema é inútil Estou num abismo mental Mas estou subindo pelas paredes Já estou alcançando a borda.... Obrigado por permanecer aí. A cabeça dói com dor de ser psicológica Como... Estou proibido de dizer O que os olhos dizem quando não existem. Preso entre as ferragens do poema.

FAREMOS VOTOS COM NOSSO RELEVO

Quanto nos resta do século? Como aproveitar o que falta? Amar? Mas quem quando onde? Todos se entreolham. Quem será que nos completa? Somos sós pra sempre? Apesar das peles no entorno, o cheiro é só um acaso. Não tememos os jornais que enrolam policiais nas peixarias. Outrora, Tempo, banhavas nossa alma em indiferença. Mas agora não deixaremos. Acumulaste milhões de memórias às custas da nossa pausa. Deste de mamar a mortos semideuses com o preço do nosso sangue. Agora, queremos que confesses. Outrora, acumulávamos tuas medidas nos ossos. Falavas de um de nós: - esse tem o osso atemporal e por isso darei a ele um fim! Ouvíamos sua voz, não era preciso que nos esforçássemos. Mas agora teu cão feito de dentes incisos não mete medo a nossos cabelos brancos. Tua esquadrilha de ponteiros de papel pega fogo em nosso vento. Guardamos os lenços que enxugaram muitos olhos. Não queremos esquecer o que nos fizeste. Por isso nos enfiamos nesta caverna em frente à tua casa. E aguardamos que reco

ZUZU ANGEL

Quando uma mãe se faz anjo, primeiro ela rasga as asas e tira todas as suas penas até ficar nua, se expor. Quando Zuzu se temperou no fogo, lacerando a alma nas rochas, poucos acreditaram. Quando aquela mãe anjo tornou-se, poucos a viam pois no céu de seu filho ardiam suas nuvens em rapidez de dor. E o mar era fosco então. Mas, anjo que era, a alma de suas cinzas Abriu-nos para a indignação necessária.

VAN GOGH BATEU EM CASA

Van Gogh bateu em casa. Tomou café, comeu orelhas de poesia. Ajudou-me a espiralar a tarde. Mas só depois de pegar o sol e dar-lhe pétalas de girassóis, no quarto onde uma cama pousava. Foi embora com a chuva a tiracolo como uma tela pra mais tarde sonhar Kurosawa.

GARRAS TRANSPARENTES

Pouco sei ou devo saber do pouco que fizeste para estar no penhasco frágil. O primeiro homem no começo da montanha, por exemplo. Não, não te assustes de eu o saber. Deixaste que ele te tirasse as garras . Soube também do segundo ser transparente. Quebrou o vidro no cerne de ti. Esta a razão de andares envidraçados labirintos. Enxerguei-te as ondas no mar do ser. Estavas afogada no sal marinho.

JESUS DE POSTE

Só eu e minha falta de fé. Na rua duas viaturas. Nas golas da esquina. Estridula a lâmina da lua. Sempre vemos um jesus de poste. Nos observa, parcos dentes. Não tem medo da noite. Tem medo é do encontro. E da língua de nossa insônia, Letal para o seu mistério.

DEPOIS QUE INVENTARAM O PERDÃO

Perdão. Depois que inventaram o perdão... Mas perdão mesmo assim. Perdão por não ter tido perdão. Perdão por ser assim tão canalha Usando essa poesia para tal fim. Perdão a quem não conheço. A quem conheço e a quem irei conhecer. Perdão por me errar a mão. Perdão por errar. Por ter mãos que acenam por mais perdão. Por ter um corpo falho como buraco no chão. Perdão por uivar não sendo lobo ou cão. Por pintar este espaço com uma alma entortando. Por esquecer de pedir perdão tantas vezes. Por lembrar do que nunca valeu a pena. Por ter fechado os olhos ao que não deveria. Por escutar o bem com ouvidos maus. Por escutar o mal com ouvidos bons. Perdão por doer roubando dores alheias. Por amar deficiente o suficiente e o mais. Perdão por esmagar em ti o meu jardim, Por encostar em tua garganta esta faca.

EXCESSIVO NÃO

Como firme tu estavas Ali bem agasalhada No Aeroporto Galeão, Uma força com ternura, Jeito de mitologias, Encanto com sedução! Quanto mais eu te olhava, A alma se me escapava Entre medo e imensidão. E teu riso era marcial E ao medo dissipava, Embora o som de trovão! Como firme tu dormias, Cansada depois da espera, Do atraso do avião! E eu de perto te pensava, Sabendo que me escapavas, Por dor maior que o perdão! Quanto mais eu te esquecia, Na direção mais cabia Devaneio e solidão. Mais lembrava e me carpia, Pois te afoguei na agonia Do meu excessivo não!

O DESFAZIMENTO

Livro antigo sobre a mesa, chegará o calor e escorrerás, águas-saber em plenitude. A casa estará molhada, teu ser-fácio amarelo códice, no beiral da íris-teca, mas já estarás na ilha-leitor Lia-te, corpo em decúbito, meio rouco, ansioso, já eras centenário, mas me aquecias. Livro em rugas, belo livro frio, tuas folhas não mais, traças em ordem unida, contentando o silêncio. Saberás o mergulho ao penetrar nos poros do solo, a diminuir o visível, e teu corpo irá, em verticalidade. O ângulo para baixo, À força do desfazimento, A exceder uma metade do nada, Posfácio em transparência. Quando fores quanta, então ficarás em paz, em algum lugar, na alma do Ínfimo. Num canto mádido do Tempo, teu corpo será ser de memória...

VERDADES BATIDAS

Conheço uma lenda  de uma parente distante de Joana, a dura medusa, que quando mais nova batia verdades em árvore, mal acabavam de nascer, pelo simples fato de achar que não podiam ser frouxas, que estariam mais calejadas quando os mortos as tentassem. Tinha de lavar as mãos com água de mentira, depois de cada pancada, depois de cada pancada. Conheci outra, que quando mais nova, bem mais nova mesmo, era batida em árvores. Ficou marcada na alma com tanto espinho, que quem se aproximasse morria do veneno em suas pontas. Tinha de lavar linguagens, mas não tinha tempo, então espinhava outras, então espinhava outras com absolutos nas pontas.

O AMOR CAIU DA PONTE

Sentado aqui na cadeira da cozinha. Aqui nesta, com cheiro de panela, O notebook sobranceiro, Com manchas de chip. Guloso. O Amor caiu Tava perto dos olhos Longe da cor da ação Quando brincava com Ele na ponte.

SOMOS DESTE AQUÁRIO

Do mesmo aquário somos, porém, nos esgotamos, nos mordemos, queremos cálidas pedras Do mesmo aquário somos... pensem na ideia desse aquário: eu duas paredes do aquário e você as outras duas Cercar esta água e acostumarmo-nos aos nossos gritos turvos, estilhaços ao além da cena ao nosso próprio des/ser

TUDO ENCANTA

Tudo encanta se vem do Nunca e leva a mundos sob corais e faz andar sobre as águas do sonho e brilhar a pele num delírio horizontal Tudo vem do Sempre e eu não posso dizer o mínimo pois fala a crendice que um amor tem alma enquanto o corpo bradar

TRANSFORMAÇÃO

Ontem, ele. Punha migalhas nos ombros. Punha migalha nos joelhos. Punha migalha no cotovelo direito. Sempre o direito. Até nos sovacos de Caronte punha migalhas. E os pombos pousavam e bicavam. Como pousavam nos sovacos de Ulisses aquelas coisas? Até ficou quase sem braço. Sem braço direito. Punha migalha nas costas de Prometeu. E os pombos iam bicando. Até nos lugares dissimulados. De tanto bicarem-no, Ele foi tomando a forma de uma pomba. E voou. Isso foi hoje. Quase agora. Neste segundo tocando. Um pouco antes de....Tou?

VEJO SE HÁ OU NÃO

Vejo se há balas no refrão, Se o gatilho foi na exatidão, Se o verbo está de prontidão, Se na estrofe tem pouco tesão, Se a amizade vale a ação. Sempre a alma miro e tombo o corpo, Que em ricochete finge o sono, De novo, de novo e mais de novo. Sempre fui ruim de tiro e torto O tesão do verso bole o morto. Agora, tento ter classe no jogo? Mas sempre andei como albatroz no fogo. Sou pouco obediente à marcação. À morte sempre dei meu verso gordo. Embora gemedor por condição. Um dia atirei um eu te gozo pra sempre Nos olhos de fêmea-paisagem. A carne estava verde ao luar. Bom para o tempero de deitar.

QUEM NOS DEFENDE POR AMOR

Vivemos num tempo em penumbra. Ainda temos fome e sede de afeto. Ainda precisamos vestir pra valer. Ainda precisamos gritar até o limite. Dão-nos a notícia de que não podemos fazer isso. Que os justos chupam chupetas, que não sabem bradar. Vivemos num tempo ainda penumbroso. Tudo se esconde melhor. Nossos amigos se vestem de inimigos. Nossos inimigos se vestem de amigos. Quem é nosso amigo? Quem nos ama enquanto almas? Quem nos ama só por virtudes do amor? Ainda insistem em tirar a legitimidade dos bons. Os maus se infiltram, ladeiam, cumprimentam, abraçam. E depois na hora que é da maldade, vomitam seus corpos. Vivemos num tempo ainda de morte e medo. Insistem em tirar a legitimidade dos bons. Dão-nos a notícia de que os maus incendiaram E é preciso ordem. Mas o que nos dizem sobre os bons? Pois foram bons também os que mataram. Tudo se esconde melhor. Nossos amigos tem a face clara do escuro. Os inimigos a face obscura do claro. Quem é nosso amigo? Quem nos

NÃO SOU TÃO MAU QUANTO ME PEDEM

Delírio sou, sem lírio, entende? Arrepio sou, sem ter o frio. Cheio de mim, porém ausente. Calor por ti, fora do estio. Sou pouco mais que pouco menos. Não sou tão bom quanto desejo. Nem sou tão mau, quanto me pedem. Sou sonho rente, porta e ramo, Tento alcançar-me, ponho gana Mas se me pego é por fiapos. O ser me foge, mal me ganha Com seu jeitinho de palhaço, Me embebedando em langues sons, Com sua verve de violões. ....Só o que sei: escalar os dias, Tropeçando embora em seus buracos. Não tenho mais lição a dar. Sou isso.

COMO-SOU COMO-ME-ENXERGAM

Deixaram,  onde o mar envelheceu,  verdades-ser encantadas.  O cais sonha  botes de encanto,  sobre águas turvas que se riem  nos armazéns. Há um tubarão  beijando um peixe-pedra  perto do porto. Estou em delírio desde o começo do poema, versejando do COMO-SOU para o COMO-ME-ENXERGAM.

UM SER PRA AMAR

Um ser pra amar deve ser como o mar onde deitam sargaços com sol nas pontas. Um ser para amar deve ser como o som das ondas nas rochas com aurora dos lados. Um ser pra amar deve ser como as mãos que apanham raios debaixo do colchão. Um ser para amar deve ser como os pés de um deus que esqueceu uma das almas no colete. Só pode amar um ser aquele que se esquece quando se lembra de ver o que não é quando parece.

PASSO ADIANTE O TEMPO E O MEU VAZIO

Perto de mim o tempo já chorava a separação.  Como ajudá-lo? Perto de mim, o tempo cansou os olhos do afago. Naquele dia, o tempo sem olhar já sabia. O perfil do tempo e os nervos estalados. O tempo estava pleno de fatos potenciais. Ele abriu o espaço e procurou alguma coisa. Achou um trevo. Pegou um trevo com um verde em mentira de amor. O que é o Amor, eu lhes pergunto. (Sinto a tentação da rima, mas não cedo neste assunto.) Voltando: olhou no espelho os braços juntos e não entendeu. O que o tempo viu fora de esquadro? O que? Iria ficar velho, lhe disseram quando envaideceu. O tempo, só agora, entristeceu. Se apegou. O resto, bem...... Quando o ponteiro decidiu... No exato momento em que... Ele deixou que Ela se amasse. E Ela o esqueceu. Passo adiante o tempo e o meu vazio.

PATAS DE SENTIMENTO

Pela estrada. Chego. Dou às tuas portas. Enxergo a poucos metros Um lobo morto. Patas de cavalo em sua alma. Eu sou um cavalo. Eu sou um cavalo troncho. Monta sobre meu lombo. Não confia muito. Não. Não. Apalpa minha cernelha. Anca, garupa, peito, Contado, flanco, axila. Foge enquanto há tempo. Sou espádua, braço, codilho, antebraço, joelho, canela, boleto, quartela, coroa, nádega, cocha, casco, cilhadouro, ventre, virilha, mas sem topete, crineira e bordo. Um cavalo em todo o corpo. Sem a alma de outros cavalos. Não tenho nada no espelho. O trote bom ficou pelos campos. Só faço poema com as patas tortas. O sentimento cavalar Com que te ato a alma É sexo com música retrô E corta o som da chuva Que cai com fúria de comer o solo E fecundar as plantas.

TENHO PALAVRAS: IDENTIDADE

Queimo com água vazia falas cheias que estranham meus ouvidos. Esculpo num mármore de silêncio. Tenho medos que deslizam por lousas tumulares. E o desejo se acumula em selva aberta por dentro. Sou apenas um como os demais: cavalo. Quatro patas, mil poemas em cada unha, crina Na alma peluda, mil desesperos em cada pelo, Hipomorfo, ungulado, boa velocidade Para escapar de predadores-editores.

QUADRADO COMO REDONDO

Suo quadrado bebo redondo suo redondo como ao quadrado constante como inconstante um dia sou centro e sou lado Sou da vírgula meu ponto não sou final do meu conto estou sempre continuando comecei mas não tou pronto Gorjeio uma andorinha, em cujo vôo me assanho, com alma perto da minha Ela não sabe o que ganho, Nem sei medir toda a linha Deste gorjeio tamanho

OLHANDO O PLANETA LÍNGUA

Olhando minha língua ao espelho, um planeta novíssimo, onde palavras consomem tempo. Olhando, a saliva formando mares e dentro deles, boiando, ou singrando, inúmeras febres reinando em volta das ilhas das idéias pretensiosas. O planeta Língua, dizem nos jornais do eu, é o único habitável.

OLHOS INSANOS

Vês olhos insanos coalhando teu leite? Eles te seguem desde o nascer da tua pele. Estás com ódio, não estás? Não foi fácil. Eles te viram quando choraste primeira vez. Só te resta esperar. Eles te viram quando beijaste a lona. Não fizeram nada. Pega este alfinete. Eles se aproximam.

ANA BEATRIZ JÓIA E FLOR

Ana Beatriz, jóia pequenina, que Deus põe nos dedos da lua na esquina. Se o sol se mostra, isso é aviso de que Ana acorda e o mundo é sorrisos. Se os olhos abre, Ana Beatriz dá mais cor ao solo, faz o céu feliz. Rosa, estrela, luz, vida, praia, campo, cada olho seu é um pirilampo. Se aninha dorme, gigantes protegem, e asas enormes dos anjos lhe regem. Se Ana sonha o mar, cavalos-marinhos chegam pra beijar seus meigos pezinhos. Ariel, sereia, inveja os cabelos pretos de Aninha, e vira novelo. As ondas do mar brilham pra Aninha vivas águas-vivas com guarda-chuvinhas. Brinca em pique-esconde atrás dos corais, peixinhos-palhaço vão andando atrás. Percebo no ar a cem cotovias do sonho de Aninha em acrobacias. Ana Beatriz, inocência e cores pro lar de vovó suportar mil dores.

VEJO PÁSSAROS NA FUMAÇA

Vejo pessoas perdidas. Outras que se encontraram. Quem não é perdido? Quem não se encontra A cada tropeço? Vejo pessoas em busca. Vejo sonhos e fumaça. Vejo um rosto amado Com lua nos olhos Pronta pra gorjear. Vejo mãos trocando coisas. Me parecem pequeninos vulcões. Me parecem pequeninos vulcões. Eu, um perdido de lua. Um encontrado de sol. Vejo a noite falando mole. Vejo o olhar do gorjeio. Vejo o olhar do gorjeio. Estou achado Estou perdido Num cantinho encontrado? Sou importante? Há quem beba o dia inteiro. Há quem fume o dia inteiro. Há carros de polícia que flutuam. Vejo um passarinho. Ele canta canta canta perdido Um blues para meu eu perdido. Na beira de próprio abismo. Temos cada um seu abismo. Temos cada um seu abismo. Vejo pessoas com sol dentro da lua. Como sair do farol E estudar o encapelado das almas? Vejo o olhar da noite olhando mole. Uma mulher tentando o seio de outra. Um homem de mocidade sábia. Um amigo para a eternidade.

TER A PIA

Ter a pia deixar escoar a água pelo cano até embaixo pra caixa de gordura. A caixa de gordura sempre será gorda por receber mais do que dar. Sua cardiopatia é inamovível.

MEFISTO E FAUSTO DE DENTRO

Um dia Fausto me chamou Para tomar um formicida. Era dos bons, ele falou, Daqueles que fazem da Vida Uma experiência singular. Eu fui com ele pela Alma, Na esperança de chegar A uma síntese completa, Uma verdade cavalar Que fosse do Amor a seta. Fomos andando meio tontos. Eu, Pensamento Objetivo, Com muitos erros, todos prontos, Surgidos no antro da Razão, Pretensa em Ciência e frios pontos. A dor surgiu, Fausto chamou-me Para tomar Morte com Vida. Bebida boa, de primeira, Que deixa a mente tão sentida, Que nem tomei a saideira. Eu fui com ele pela Alma, Esta eterna inconquistável. Que mesmo arcando nossos traumas, Nos torna a angústia mais amável E dá-nos consciente calma. Fazia o formicida efeito Contra verdades acabadas, Que nos destroem o frágil peito Com sua falta de risada, Dança e cantares bons de jeito. Chegados na encruzilhada Da parte d'Alma mais incerta, Vimos uma Casa Cinzenta Meio fechada, meio aberta, E à frente uma Fera Sedenta. Batemos palma com vontade Pois par

GAROTOS, ESCUTAI-ME

Garotos podres o mundo continua podre não há vida nesta merda todos querem foder do lado errado massacrado o pequeno pelo graduado ainda Quero vomitar na barra dos Poderes quero vomitar na falsidade dos seres Papai Noel é um pilantra metido a intelectual e comendo criancinhas o abusador pedófilo piorou Há muito filho-da-puta Garotos Podres o mundo fede pra caralho o palanque ainda existe e é bom pra fazer cocô o Brasil ainda é um barraco de 1,99  todo colorido e fedendo a mijo e merda de cachorro ainda Garotos podres o mundo gira torto cheio de cachaça na cabeça ainda e eu tenho de amar ou apodrecer ou entontecer com pau limpo, claro, senão como eu vou escrever sobre esse mundo  com gonorréia e chato? Ainda temos de gritar ainda temos que matar em nós esse tédio da porra com a consciência de Garotos Podres clamando pelos miseráveis e pelos que vomitam  em paletós e gravatas Vou fazer cocô É menos podre e cheira melhor E só tenho dinheiro suado pra limpar

GRANDE NUDEZ DE ORESTÉIA (PEÇA DO GRUPO FOLIAS DO CARALHO)

Grande folia/dança trágica, cujos pés torcem, retorcem a respiração pausada ante  o olhar do palhaço-fúria-homem-mulher. No telão, riscos de rostos, paredes prontas aos grafites pós-modernos clássicos. O espaço incha, bola inflada com a energia do mistério cênico. Milhões de bodes se vêm, retalhados por línguas incandescentes. A moto possante carrega o ar com elementos rascantes. Não há um rosto, há um rasgar de entranhas, onde paus de politimortos jantam feminilidades de cotelê, onde toda a nudez não será castigada, Se for nudez política e dionisíaca, ponta de punhal nos bem-pensantes. Glória ao diretor Marco-sígnico-cênico, Com seu direito à condenação-ascenção de rolar rochas de Sísifo esmagando crânios diuturnos em seus quadris, antes de servir aos cães cínicos inocentes culpados que somos nós, famintos de devoração dionisíaca nós, devorados minuto a minuto em modo báquico, na esperança de poços de merda e pernas quebradas. Nós, falos eretos murchos quietos vaginas mansas seca

VIDA VIDA INFLAMÁVEL

Vida, Vida, mais te quero. Por querer-te, estou feliz. Por não poder me alongar, Fico triste por um triz. Ter vida além do morrer, Ter viver além do Eu, Esse ansiar me surgiu Quando o Si sobreviveu. Bem eu sei que é impossível Ser Vital até o fim. Quanto tempo dura a Vida Depois que sair de mim? Viver no infindo não posso, O findo vivo é que age. E por mais Vida, alvoroço Motivada e ansiosa imagem. Viver é perto e é longe, Morrer que é triste e incerto, E por não viver bastante, Perderei céus e desertos. Sinto escapar, quero estar, Amando a Vida, afinal, Mas nem sei se o que respiro Revitaliza o meu Mal. Quem há de dar-me presente De valor inestimável, Que deixe a Vida mais longa E este Ser mais inflamável.

CONFRONTO

No retrato, confronto o que envelhec(eu). Somos diversos nos interesses. Ele quis alcançar, eu não consegui. A lua e o sol pareciam tão próximos. Agora vejo: tinha um diamante na alma. Que pensou que eu acharia longe..... Esboroei paredes pelo que estava aqui. Explodi cavernas inutilmente. Ah, se aquela coragem permanecesse! Se aquele diamante se mostrasse! Havia um respeito muito grande pelo amor! E a Amada era a suficiente música da existência, quem quer que Ela fosse. Bastava que ela atravessasse A faixa do existir a partir dos olhos!

SOB SOL DE ÁFRICA

Na África, moscas pintoras tecem obras direto no estômago. Moscas que assim dizem de suas obras:  - Eu sou o máximo! Tudo isso é muito triste. Mas ainda há a febre da vida. E nas mesas ainda há  risadas impagáveis. E adolescentes têm esperanças. Como os leões olhando a caça. E os cachorros latem contentes. E um velhinho de mãos dadas com a alma Sangrando Observa o próprio recomeço. Tudo isso é muito bom! Pois o amor está aos pés da vida E penso em seu rosto sob a luz africana. Penso na criança em sua cabeça. E nos olhos da tribo que a seguiam ! Tudo isso é muito bom! Pois a vida ainda serve ao amor E penso na dádiva de tê-la tecendo Uma arte delicada com flores da selva, E no quanto seus olhos brilham, Um pouco como quando o sol nasce na lua. Tudo isso é muito bom E ela é negra tão negra tão linda Como a noite íntegra.

SEREI RÃ QUE EM MIM PULEI

Por que tenho de sair  se é bem mais agradável  tingir de luz os olhos? Por que vagar por aqui  se nos céus ardo ao sentir? Por que grudar  no que não tem aderências? Quem sabe eu possa me abrir. Quem sabe eu possa assumir todos os nãos (i)morais? Serei rã  que em mim pulei  sem lago algum pra pular?

JOGO

Estou. Estás. Valete. Ás. Esta vida como baralho. A morte joga junto. Essa farsante mora Do outro lado do amor, Numa casinha tosca Vive batendo no batente. Ela, essa de peitos murchos, Tem como empregados pesadelos e paredes cruas, Onde se escrevem cheiros de nada. Mas eu sou estou vou sair da mesa E me lançar para o papel manchado E esburacado de surdez.

SYLVIA PLATH E A BELEZA DAS SUICIDAS DE PANELA

A beleza das suicidas de panela trabalhando fora e dentro se cristalizou nos corpos seus de cozinha. E intensa saudade sinto de seus cérebros de panela atingindo meus olhos ao lê-los. No ouvir o pulsar de seus jarros, inda toco o barulho de seus baldes. Tão limpos os seus banheiros...tão escalavradas suas cútis! A beleza das suicidas não foi uma coisa em vão pois nos deu furor...Como ser indiferente se essa beleza finda não gerou coisa mais linda....ainda.... Sylvia Plath me deu um forno novinho de perfeição mortal com bolinhos ocos dentro. Espedaçando as artérias, imito seu trêmulo sangue de vidro.

ALMA EQUINA

Posso ser um cavalo poético mais audaz. Com minhas patas posso estremecer verbos-aurora. Com meu focinho posso ensandecer frases-crepúsculo. Tenho um cérebro de cavalo para sujeitos e predicados. Um cérebro que encurta distâncias entre verdades. Que esgota os mortos afirmativos. Um cérebro profundo que chama E nega o abismo com alma equina.

ANÚNCIO

Pegai vossas coisas. Desarmai vossos sorrisos. O caminho vai ser duro. Mas tudo começa ao quebrarmos o muro. Chegamos do Nada e moramos aqui um tempo. E estamos ainda sem nada. E estamos ainda sem nada. Armai-vos de amor. Mas quem sabe o que é o amor? Mas quem sabe o que é o amor? Uma mãe sabe. Só uma mãe sabe. Pegai vossas coisas. O que vai acontecer aqui É a explosão anunciada. Explodirei meu eu. Desarmai vossos sorrisos. Mas abraçai primeiro as árvores. Mas abraçai primeiro as árvores.

MENTIRA COM PATÊ

Não sei nada. Sou o zero da escada. Não o papel para a sua cagada. Me traga uma palavra-começo. Um leão rugindo no desenho de um caderno infantil. Minhas garras estão na pele molhada dos dias de chuva. Quero a canção de algum sabiá. De palmeiras onde eles não existem. Quero um pacto com o que está por vir. Quero a fumaça do som do primeiro universo. Quero rastejar como o lagarto de cristal dos sonhos. Sou um simulacro. Um sino atroz. Sou uma mentira com dente caindo. O que quer sem querer. Não sei nada de verdades. Sou o zero da escada. Sou o papel para tua cagada. Cague e vá, Espelho Cagão. Olha no espelho, Espelho. Olha: sou teu espelho. Olha no espelho. Eu olhei em ti e não me vi logo. Eu movi-me espelhado primeiro e aqui depois Tenho um espelho lerdo. Sou uma mentira com talento para verdades.

TRAJETÓRIA ENTRE AURORA E CREPÚSCULO

Aurora. Um homem carrega seu AMOR aos ombros. Procura um berço. Sobe a ladeira íngreme. Com uma mão segura a perna esquerda do menino. Com a outra empurra uma pedra ladeira acima. O menino a crescer em seus ombros. No meio da ladeira, cumprimenta quem passa. Quem passa? Alguns o ajudam a empurrar a pedra. Outros alimentam o menino em seus ombros. O menino cresce. Fica adolescente. O adolescente poderia ajudar, mas não ajuda. Gosta de ver o outro em si sofrer, A impulsionar a pedra adiante. Até parece ser o AMOR filho da pedra. Ser filho da pedra é como ser filho da puta. O homem sofre subindo a ladeira. Arca. A certa altura, rareia a ajuda. Um aqui, outro ali. O adolescente às suas costas torna-se adulto, Que gargalha ao ver o sofrer do homem. Não sai dos ombros, forçando o peso. O homem já aceitou o seu destino de dor. Rola a pedra até o final da ladeira. Novo Sísifo. O homem avança. Há um AMOR velho agora em seus ombros. O homem avança. Cai AMOR dos seus ombros. Morto o AMOR? En

A UVA ALEGRA O VINHO

Eu sou fácil Você difícil Eu sou de físsil Você fácil Eu como alface Você falácia Eu armo a farsa Você disfarça Eu no sofá Faço difícil O fácil fato De ficar fóssil Eu sou assim Você me firma Eu assassino O amor que afirmo Tu és difícil Mas sou bem lasso Pode comer-me Com tua face Querida, a uva Alegra o vinho Se a videira Leva carinho

HOMEM EXECUTIVO COM AGÁ

Executivo com agá, Talvez você prefira que eu fale de....automóveis? Ou talvez que eu olhe quem você atropelou Como mais um número entre estatísticas... Talvez você evite Talvez você esteja satisfeito com os índices Talvez você perceba tarde a diferença Entre xis e ypsilon E quando digo tarde É tarde mesmo Não aquela tarde em que fodias Homem com agá A tua subalterna e o teu cachorro De pelúcia Cheirando como um Aspirador de dor Talvez você não ache As diferenças tão fundamentais E os sequestros por aí Ocasionais Mas tudo é resultado Mas tudo é resultado De tuas fodas fatais Mano, as diferenças a menos Não dariam menos mortes? Meu tiro de palavras de alto calibre Não é como tua alma que rasga à-toa

ONDE CORRO É POR DENTRO

Minhas falas avançam mergulhadas de planícies. Há um quê de espada enferrujada nos meus cascos. Cuidado com o tétano, leitor. Mesmo na mansidão lírica, cuidado. Trilho sozinho os raios De algum olhar que aqui calha. O amor é melhor nos olhos. Não sou desejável Como aquele vaso na janela. Todas as palavras que quero passam por mim E nem me ligam. As que não quero se apegam. O amor é melhor nos olhos. O amor é melhor nos olhos. Sou um cavalo das selvas urbanas. Onde corro é por dentro. Mas essa história de amor melhor nos olhos Nasceu com o corpo dormindo.

CAVALO TROVÃO RELÂMPAGO

Eu sou um cavalo manco. Minha voz segue o trovão. Corro aqui como relâmpago Reluzindo a solidão. Da estirpe dos olhos tortos Dos humanos desumanos, Meus olhos buscam planícies Pelo perímetro urbano. Sou porém dócil e indócil. Já fui bravo, já fui santo, Enfrentando com São Jorge Dragões com fogo de engano. A planície vai findando, Não posso porém parar, Pois se parar de correr Meu mundo vai se acabar. Consegui lá no começo Um beijo dado com vida. Por isso corro do início E não quero despedida. Eu sou um cavalo manco, Vejam como corro ao vento. O trovão deixa meu canto Com a voz do pensamento. Vou seguindo, vou correndo. Mesmo a pata manca, venço Distâncias no coração, Esteja sol ou chovendo.

TEMPESTADE

No fígado do poema, gelo e água forte, ascendentes correntes, calor latente, cristais, termodinâmicas instabilidades, rajadas de brisas marítimas, neves, nevascas, avalanches pelo topo, parcelas de mágoas, angústias, dores convergentes, divergentes, anseio seco, desejo molhado, trovões, ventos nervosos, doçura irritada, conflitos, fugas, vorazes sedes e gulas, vindas das artérias e veias, de outras línguas, linguagens, máscaras de granizo e sangue. Onde a significante condensação? Não importa. A palavra dá-se ar de tempestade . 

FLOR DO ZEN

Que vinhos, hein, Que você tem Na boca, bem! Que beijo cem Num ponto meu Deu sem desdém! Que gosto mil Teu riso tem Juntando mais Espumas em Meu grosso cais, Flor do meu zen! Será, meu bem, Amiga e Mar, Que sede tens De bem pegar O orgasmotrem Na Férreamar?

CISNE

Os cisnes são aves de longos pescoços, pernas curtas; no Reino Unido, os cisnes são da rainha, que processa quem machucar um. Aqui, em meu lugar, se você machucar  um mendigo, lhe dão é um monte  de pedras cortantes para mais esfolá-los;  se o mendigo for negro cigano, judeu, homossexual, mutante, ainda dão um cargo bom, uma casa no litoral, cervejas, prostitutas,  que podem ser negras, ciganas, judias, homossexuais, mutantes, e ainda o colocam num mural de rede social.

SAFADEZA EM HOMENAGEM A MULHER

 (Natanael Gomes e Leonardo Só) A mulher tem dentro da alma Algo que é muito bonito. Feito amor, feito linguagem, Gosto muito e tenho dito! Tem um pouco mais acima (nas faces?) uns moranguinhos. ... Quem os chupa, tem saúde Pra viver mais um tempinho. Se se olhar pouco atrás A uma mulher deitada, Vê-se profundos relevos De uma floresta encantada. Ainda, continuando, Há nas coxas femininas Um tesouro qual escadas Que encaminham céus acima. Vejam só: uma cintura Feminina atrai as mãos. E quando bem tateada Nos eleva a condição. Mas nada me atrai mais Que uma saboneteira. De mulher e uso dela Pra treinar umas besteiras. Uma boca de mulher Também traz fascinação. Só chegar perto da pele Pra causar-nos explosão. Sem querer exagerar, Uma mulher traz nas mãos O segredo de deixar Chorando o macho e o Cão. Creio em mulher sentada, Ou em qualquer posição, E onde tiver deitada Cresce a beleza do chão. Também ela caminhando Ou parada é espe

VILAS ARDENTES

Jogaram um bebê no lixo. Uma mãe chora no vento Que envelhece folhas. Se ela tivesse batido nele com flores, Com fervor, a relação teria perfume Até ele soltar as raízes e morrer. Dois seres se declaram nas chamas. Um homem e uma mulher se encolhem. São mendigos, dizem: mendigos. Dois atletas empatam, as peles quentes. Uma vila arde pescadores em Cubatão. Pensando e não-sendo, há agressores. Penso na esperança ardendo um bocado. O amor existe e não se cansa Na Vila Esperança, sob a canção dos fogos.

SENHORA EX-MÃE GENTIL

Natanael Gomes de Alencar e Leonardo Só (POEMA RECONSTRUIDO DE RETALHOS DE 1996 NA EPOCA DO MASSACRE DOS CARAJÁS) Começo aqui estes versos Para falar com ardor De quem constrói a nação Como bom trabalhador. Vão as falas que se seguem Para ti, ex-mãe gentil, Não esqueçamos que o sangue Dos teus seios nos fluiu. O pedreiro fez teus pulsos, Os braços de tuas celas, Fez teu manso colo puro Com medidas nada austeras. O mundo é a nave das tiranias fatais, Mas a vós, Senhora Mãe, torce a face e a retrai, Pois nem do algoz usas disfarce, Quando massacras e tripudias A nossa cidadania, como ousaste Em Carajás. O professor muito ensina Tuas crianças, com flama, Seguindo a sua sina, Sem valer o quanto ganha. O faxineiro faxina Tuas sujeiras, Senhora, Mas de dentro nós notamos Que isto não te melhora. Diarista ou a contrato, Zela para dar apuro Ao teu urbano perfil, Se jogando no teu culto. O mundo é a nave das tiranias fatais, Mas a vós, Senhora, torce suas rugas fractais, Pois nem do algoz usas

VAI E VOLTA

Súbito, vem este amor. Sem favor me apura o dom. Nele há tanto carinho Que me alinho ao doce tom. Sinto aqui ele apertando E estreitando o peito em teste Prestes a deixar vazio Seu macio berço agreste. Sua falta está por dentro. Concentro, mas já se vai. Sem mapa, sai ao relento. Indo lento, avança e cai. Mas volta, me faz contente, E, ingente, me envolve e trava, E, em lava, me esquenta e vibra, Me livra o ser só e o grava.

O AMOR É UM BEIJO

Essas palavras são simples. Simples como chupar bala. Eu muito te amo e queimo. Mesmo apartada dos olhos Próxima estás desta vida. Querer-te como alimento. Uma lasca do teu beijo Com cobertura de amor Preenche a alma nas bordas.

COISAS QUE ACONTECEM

Empédocles jogou-se no vulcão para provar que era um deus. Não conseguiu provar outra coisa que não a mortalidade do eu. Os outros disseram assim: - Que coragem ele teve Ao avançar para seu fim! Ícaro beijou o sol, depois caiu no mar, Caronte cobrou icário. Corajoso Ícaro, qual o Lobo Mau, segundo falaram para mim. - Que corajoso ele foi Ao mergulhar em Chapeuzinho assim! Vejam, o Lobo Mau. Aprecio o Saci-Pererê, com aquele jeito seu azedo. Tão corajoso, pois descalço, pula e quando um prego entra em seu pé, tira-o e come. - Que coragem ele tem ao pular com risco assim! Gosto da Cinderela, por ser tão linda e olhuda, e por ter expulsado a madrasta, mudando o conto de direção. Da Branca de Neve careca, de Alice, por chamar seu câncer fazendo sua pele parecer baralho. De Rapunzel por mudar às sombras. Quanta coragem é necessária para o risco? Quanta coragem é necessária para contrariar a história?

AGORA HÁ POUCO

Agora há pouco, Senhora Morte se sentou em meu sofá. E eu disse: você aceita um café? - Com bastante açúcar! Fui para o quarto calmamente. Só pra vocês saberem: Em 1718, um americano, um tal de Puckle, Construiu a primeira arma de fogo de grande calibre Capaz de disparar vários projéteis Em um curto espaço de tempo. Fui para o quarto calmamente. Toda metralhadora tem uma mola Que dá início aos disparos da arma. Ela permanece travada numa posição contraída, Pronta para se esticar e empurrar para a frente Uma peça pontiaguda chamada agulha. Voltei ao sofá rasgado e com uma mola aparecendo. E a Morte estava lá sorvendo um café. Quem a serviu, se fui ao quarto contíguo E a Vida foi comigo?... Sentei, ela pousou a xícara no chão da sala E começamos a montar e desmontar a metralhadora.

Cabelos de Beleza

Ouço-te o banho. Imagino-te lua minguante. O barulho do chuveiro em sonoplastia. A água escorrendo o perfume de ti. Que eu senti de perto ainda há pouco, Quando te abraçava, em nudez de invasão, Paradas as mãos na trêmula curva dos teus quadris, Os cabelos presos, caídos pela doença, O escoar do teu cálice, E tua alma de galáxia que logo subirá, em ascenção, Em conjunção com as estrelas de nossa memória. Te amo. Em constelações de fúria e revolta, Aguardo-te. Para amorterapia.

A DOR DO MORTO

O mortos chegam. Querem jantar. Na minha carne que amou. Na minha carne que beijou a dor. Chegam nus em pelo. Já não tem sexo. O mortos só pensam em fumar minha alma. O que é mortal senão a dor do morto?

BALAÇO NA PELE DO TEMPO

A lua é sempre a mesma. Há três cães com uma metralhadora no pescoço de Cérbero que dormia no beco perto da ponte, onde um jovem foi confundido com um ladrão vermelho, um jovem estudante de odonto. Não há surpresas. Círculos dantescos na pele do tempo que é voraz com a carne dos valores. Não quer disfarçar nada. Furoato de mometasona. Está lá até que não esteja. Chá de carobinha. A lua está lá. Vê todos os crimes. Mas não pode sair de onde está. Problemas de pele. Crateras. Como é bela. Bela bela. Suas ínguas não são aparentes. Merece um sonho. Mas não testemunha um. Pedaços de corpos de planetas. Um belo sonho para a lua. Um cinturão de asteroides. Chutado pela Máfia Estelar. Pela lua dos lobos transparentes. Uma chuva de objetos voadores No supermercado sideral. Abe