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Mostrando postagens de setembro, 2013

DEZESSETE

Minha filha quer: - Dezessete livros,  pai, pode me dar? - Por que não quer vinte? -Porque não, papai. - Serve um, ou dois? - Dezessete ou mais. Para o aniversário  devo arrumar. Dezessete anos ela já fará. E aos preços todos Devo coligir. -Pai, eu posso ser escritora um dia? Claro, minha filha. Se empregar tu'alma com sonho e porfia. Muito valem livros pra entender que os dias de mortos e vivos são indiferentes à nossa alegria e compreender que há luz no traço. Dezessete anos! Dezessete livros! O tempo passando e eu ficando antigo, parca biografia pra livro ou valia de espelho ambíguo. Mas estou feliz, embora ainda caia como um aprendiz. Devo lhe dar, sim, dezessete obras. Livro à alma afia, Com vulcão de sobra. Eu a amo, sabe?  Este amor me guia. Há no meu destino  cansaços sem trilhos. Nessa estrada há ferros, trens de acerto e erro. E também mentiras Que me juro aos berros. Dezessete livros, dezessete anseios...

UM CARA QUE REPETE

Um cara risca numa praça para um amigo uma peça teatral que repete desde menino: "Fora de si, despeja o Capim que Comeu". Breve o cara partirá a estátua. O cara tem a minha cara. Comete equívocos na esperança. É um homem. E um dia será deslembrado e lembrado Como um cara que amava tábuas Com paixão e foco em cima, E um cãozinho preto do lado Que sempre o amou, apesar da corrente Que lhe sangra o pescoço nos passeios.

O ATOR DESPEDAÇADO

Ele sai da luz sem um pedaço, Alma na metade, em foco. O sangue escorre, é chuva Que cai sem centro, e marca. Os braços, pensos fios. A alma, mar secando. Mais uma hora, Limpa a demasiá-lo. Exausto o ator  Junta leiautes. (S)em fim. No entanto.

ESPINHOS/ESPELHOS

Cultivo estes espinhos desde sempre. Neles, traços da pele de minha alma. Bebo do sumo destes espelhos quentes. Como do miolo destes espinhos salsos. Escrevo com estes acúleos. Tomo banho com estes espinhos. Enxugo-me com estes espelhos. Com os cacos raspo as feridas. Surpreendo-me com a rosa Que acima dos espelhos Quer me envenenar com a cor De um jardim cinza e moroso.

CORRUPÇÃO DE ESTAR

Posso fazer o amor parar. A paixão não me seduzir. Posso fazer o ódio ser um grão Alucinógeno para a dor. Posso parar aqui e ficar horas Pensando na águia que cruza dentro. Posso transar com deusas Nas crateras da lua. Ser um pai de família exemplar Durante séculos no meu filme. Posso chorar a manhã polar. Posso xingar anjos em braille virtual. Na verdade posso não poder Não conseguir. Mas quando cruzaste Os céus e abriste as asas, morte, Não pude deixar de me corromper.

O CACHORRO É QUE ME PUXA

Puxo o cachorro. Ou ele me puxa? Duas vezes ou menos por dia num rodamoinho ele sai a passear comigo. Me põe a corrente e vamos. Cheiro os pneus e postes. Talvez ache o cheiro do mijo Da cadela que roubou-me o osso. Por vezes, escapo. Quando estou com sede de dor, volto. Dor = Corrente. Não sei fazer escândalo. Como não sei definir dor. Confundo com água.

SEM QUERER FUI ME LEMBRAR

Sem querer fui me lembrar das tardes álgidas sentidas como sol ardente. Dos tigres que soltei do coração selvagem. Da leveza que aprendi no risco das flores com sedução espinhosa nas dores. Das imagens que acorrentei tirei vida e sorrisos. Para o teatro que antecipei em tropeços. A pele chora pela pele que o tempo rasgou acendendo a tormenta como fosse suor de abismo. Venderei armas para te encontrar, ó jovem bardo? Qual beijo me acordará na áfrica que sequer tenho? Quem me dará o poema-graal que me cure? Lábios sumiram ontem.

NEGO-ME

Limite. Este corpo. Este roubo. Uma alma Que poderia servir Para outro pouco.

DEPENDURADO

Lembro-me dos primeiros dias da (a)mor/dida Tu vinhas com raio de boca nas mãos Teus dentes eram onde eu me deitava lendo-te Vez em quando líamos barcos com árvores Tuas gengivas ofuscavam-me sem vínculo Apenas eu acorrentado aos incisivos da culpa Acho difícil andar com o amor dependurado no morder-do-tempo-invento-vômito-nada Só pelo falar me dou conta de ti Não existes se fecho o cérebro da língua

VIDA FINA E FLÁCIDA

Partiste, sem nem limpar os traços, nem ligaste a meus vastos pedaços. Partiste, a vida e o mar flácidos, e ácidas passeavam pasárgadas.

EUS D(EUS)

Há uma perda D(eus) É que há distrações Vendo não se vêem os Eus(D)

PROFESSOR RANGEL SIMÕES

Um sábio professor. Descendia de árvores. Aprendi muito. Enquanto me desolhava Olhando o fluxo de sua seiva. Tropecei bastante em suas raízes. Hoje, minha alma é um pouco verde.

DONA CERTEZINHA

Desde sempre,  quebrei dedos apontados em meio a certezas sem propósito, irmãozinhos com penas de morte. Cheguei em mim logo após a véspera, enfrentei meus conceitos e verdades e amarrei Dona Certezinha  com a palavra...qual?

LAMA NO FÍGADO

Com coisinhas simples O acaso borda esta poesia. Um canto de pássaro, uma folha outoniça, uma ave-maria num canto espalhada, um sonho amarrado de esperança antiga, um sorriso curto em velha canção, uma dança solta na memória leve, um abraço velho ao pé da infância, um canário belga desenhado em livro, um violão quebrado, um nome pausado, um chopp entornado, uma dor no cenho de arrogância e rede e um sol que abriu quando me falaram que morreu um mar de lama no fígado.

CEGO

Estou. Sou não-sim. Há uma grande sede. Três comprimidos de sol. Há árvores por dentro. A alma: uma floresta indevassável. Pedi vinho aos gritos. Ninguém trouxe. Fiquei cego por enxergar a pele de deus.

QUANDO O TREM PASSOU

Quando o trem passou, no ar se fez um gesto de ferro e pássaro. Abandonou a estação do passado. Assim como o inferno de mentira costurado em sua memória. Abriu as a estrada seca... Hoje ainda pode ser visto resfolegando naquela paisagem fantasma. Segue as migalhas de sonho dos viajantes.

POMADA PARA AS ALMAS

A todos os que se empapam em sopas herdadas. Ou se aprimoram na alteridade de falsas águas. A todos que chegam sem lavar os pés. A todos que não perdem a si mesmos. A todos que sentem paz como guerra. A todos que ficam na idéia que muda. A todos que quando tremem pensam no frio. A todos que quando fogem pensam que é a vez. A todos que quando odeiam pensam que não são. A todos que quando conquistam se envaidecem. A todos cuja palavra é mole espelho de pedra. Só tenho a dizer a todos que passem pomada nas almas. Nestas anímicas virilhas as feridas das ilhas profundas.

QUADRIS RELIGIOSOS

Um rosto sorridente. O celular suspenso. Formas presas, soltas No livre vestido. Parece que o universo Está a falar, florindo Em seus quadris de Eva Angélica. O sorriso é o sinal De que há explosão E a vida é solar No luar que a pensa. Em circunstância de flor No entanto, à noite, Ela deitará, enredada Em mucosas vegetais.

Desraiz

Acostumou-se a planícies roídas  e a louvar o Pai Básico. Saudades da Mãe Básica. Chorava forte como a língua do céu. Chorava tanto que um dia abalou  nuvens inermes, ralas, de finas águas. Só ficou só sustentando inerme pela angústia básica sobre os ombros. Como em criança aprendera a calar o rosto das tias, avós, mãe, irmã.   Sorriu à sua mãe, quando seu pai  a horizontalizou no abismo da pia. Ele sabe como esticar o arco,  pois sua flecha atinge invisíveis. Ali em cima da ponte, fosco, em Precipicite, ele soprou:  ação que contrariou o vento  e desenraizou mulheres. Chamavam-no O MACHO.

TRESPASSE DE MEU MAR PROFUNDO

Penso em chegar aos corvos mas há um cansaço antecipado de finalizar a meta à janela Guerras racham humanidades fomes quebram braços sedes estilhaçam estômagos Os degraus são insuficientes a meu hábito de oceano inquieto em bronze e nunca mais Minha alma se acinzenta de corvos fechando profundidades de superfície

MEU REINO VOS OFERTO

..Estou imerso no poema E aqui faço-me rei de ouros De um reino enorme. Registro sentimentos como coisas E coisas como sentimentos, Com o poder de tocá-las Com mente e coração e dedos. Daqui, de um lugar bem alto, Salto sobre dores e amores Com asas mal coladas, Exercendo o vão direito do desleixo. Caio sobre terras Costuradas com sonhos de volúpia E ali sou assistido por deusas insones De ninhos marinhos que no poema gero. Dou a estas as cores que desejo que tenham. Engendro um exército de crianças No verso que quero, inicial ou final, Para que me defendam com sorrisinhos pontiagudos. Neste poema, meus mortos ceiam comigo Lado a lado com meus vivos que morrem de rir. Comemos Vida e bebemos vinhos de Esperança. Aqui sou bom como o mais puro amor E sou perdoado por quem feri sem querer e por querer. Preciso das coisas e pessoas que aqui gero Pois sou frágil e dependente como um cão. Elas permanecerão aos olhos de quem queira ver. Preciso das pontes que aqui construo e derrubo E tr

O ASCO NO ÔNIBUS

Na face vazia, Um fedor doente. Corvos de axila Fedendo inclementes. Sob o sal, sovado, O casco no centro. Apenso no caos, Sonho escorre, intenso. Todo o espaço exala Salso desespero. À face do mito Rói arcaico esmero.

MARES E MITOS E MENTIRAS

Onde terá vivido aquela nereida? Por quais mares nadou? Quantas vezes enganchou em algas? Quando criança, nadava mais rápido? Terá ido a bailes no fundo do mar? Nunca vi um peixe piscar os olhos. Por que um peixe não pisca os olhos? Se ele fosse humano e eu fosse peixe.... Peixes de panela na certa Quereriam ser eu.

POEMIUM TREMENS NO TAPETE

P asso os pés no tapete desta hora, em verdade é o minuto que me invadirá em hospitalidade oferecida  pela noite Há  uma  lâmpada queimada no quarto, um pássaro infinito, um resto de ódio eterno, falastrão como meu pensar nele, e uns mosquitos embaixo do escuro fazendo coro, o corifeu é uma cadela preta com óculos que chamamos de Aterp e que fala au au Há pássaros de medo e eu não sou simples com poemium tremens Aterp está caçando como um lobo antigo, os fatos também caçam-me abaixados nas contas de luz e de água

ORDENS ORLADAS DE CAOS

Lavraram ordens orladas de caos Ferindo-o E ele piscou uma gotícula De sofrer com flor e música

TREMOR NA ALMA DOS PASSOS

Bagunças, bamba, os átomos à volta E cismo-te a tremer a alma dos passos Curvando a música bem alto, danças, Silenciando as vozes do solo e dos céus

DISFRAGS

Prestar atenção ao parto Que o dia faz e disfarça. À procura de fragmentos Que dê em palavras-alma. Sempre o sonho Rachado em seus átomos. E o desespero A ajoelhar no ápice.

PUR SI MUOVE

Em meu coração cavalos negros pastam capins de dia. A fome aumenta no mundo, discursos fascistas se vestem nos shoppings. Estados Unidos têm bases de hambúrgueres entre nós. E a poesia move um milímetro, mas move, pur si muove.

ÁGUA E EGO EM ÁGUIA E IOGA

Nas periferias, distâncias  se tornam indiferença. Tenho de ser águia? De fazer Ioga? Não quero ser lágrima  ou catarro do mendigo em fogo  ou do menino peneira de balas. Quero lhes dar as palavras que costuro em minh'água e ego em brisa e brasa. Talvez versos meus matem a sede da lua baça.

AS ÁGUAS AGITAM-NOS

Irreprimíveis, às vezes, as águas agitam-nos. Mal levantamos as mãos, afogam-nos nas árvores. Não podemos nos conter e o líquido vida domina. Intermináveis braços criamos para nadar e sobreviver.

VOICES

Voices, vozes, por vezes, Sometimes, mil Instrumentos ocos, Sussurros na área de trabalho Comovendo virtus Com lábios de vidro e pó, Vozes mergulhadas Na fome do nada Emudecem maçãs E cartas de dor

TENHO AMIGOS

Tenho amigos políticos, tenho uma cadela raquítica e dois peixinhos mortos, tenho amigos não-políticos, abstêmios e não, tortos, retos, tenho metáforas a dar com pau, tenho poemas com soco inglês. ...  O veredicto eu gostaria de vender, mas a verdade é odiada em certas rodas, um produto que muitos não querem. Tenho amigos que às vezes não me entendem, uma amiga pobre que vez em quando me morde e as almas dos peixinhos me atraem para o fundo do seu pequeno mar trancado no canto da TV. A verdade, eu gostaria de vender, mas é solitária e não gosta do mercado.

ÁGUAS DISSO AQUI

Hoje aprofundei as águas. Não ao desejo de todos que se afogaram. Querem discutir, engolem águas vivas. Querem garantir, montam um banco. Na Praça. Querem mostrar, dizem "sou eu". Ao outro  que não são  condenam. Eu sei mais, bradam. Hoje. Queremos ser eleitos Para a Casa. Para o Prêmio. Para a Cadeira. Como reis dos espaços vagos nos prefácios. Amanhã, o pó.

AMOR VIVANT LOUCO DE PEDRA

Quando ele é capaz de humilhações. quando só de ego vive a se nutrir, e de ensolarar boas intenções finge ser insano e faz chorar de rir. Quando ele se faz ímpar sendo par, sujo aparentando honestidade, contraditório no emancipar a acorrentadas falsidades. Quando ele se faz um número primo com dois divisores diferentes até parece amor mas falta arrimo. E se em solo estranho enfarta e medra, Aí é a Paixão enlouquecendo Por Amor, "vivant" louco de pedra.

ME PROIBO DE FALAR SOBRE O AMOR

Me proíbo de falar sobre o amor. Pois quando escrevo A já vem o M bisbilhotando. E não posso em paz escrever a palavra. Na sequência o O barrigudão já vem babando. E pra azedar o caldo, vem agarrado com o R, Rasteiro e traidor, que quando aparece Ao final Rouba, rapa e arremete, rindo.

SOBRE O HÚMUS E O HOMEM

Sei que há coisas a aprender com os frutos que caem dos galhos que ou são comidos e geram desconfortos de ventre ou afugentam a fome a florescerem no hímen da vida o húmus do homem Sei que uns atos humanos quando caem na boca dos demais ficam "sub judice"

CASCA NOSSA

não posso me dizer o que te consome a dor que vejo pode ser impressão má depois que comi espaços em branco caibo na carne de teu pensar enquanto recheio a buscar sentidos depois que sorvi o melhor dos teus caracóis mas posso calar, isso eu posso, enquanto durar o romper da casca nossa

DÉSPOTA

Ser um déspota de palavras despossuídas para melhor as possuir após a vida

DIGO

digo de mim que tenho o dia. receio. digo de mim que tenho planos. esvazio. digo de mim que tenho fases. me exponho. digo de mim que armo máscaras. me escondo.

UMA ENCOMENDA (OU A RESPOSTA MATA)

Encomendei uma torre. Chegou há pouco. Barulhos tremendos ouço. Ela se parece com uma caixa comum, retangular, paredes laterais, baixo, cima, bem vedada. Bato nela com o punho. Mas nada. O barulho tá lá. Me lascando os ouvidos. Não vejo a mínima fresta. Que merda é essa? O quê? Bem, merda vem do latim. Pejorativa, quer dizer caralho. Merda é muita coisa : polissêmica. A gente digere e o que sai É expulso pelo ânus (cu), Se este estiver vivo (pisca pra ver). O barulho é como de um choque de mistério. De alguma coisa enganchando noutra. ...Se eu abrir a caixa acabará? É que pessoalmente começo a gostar. Começo a gostar de não abrí-la. A gostar da tortura que causo Em estranhas criaturas concentradas, Querendo sair e eu não deixando. Desleixo. Saio e deixo ela em casa. Tenho de ensaiar uma peça que me quebra. Nunca ensaiei uma peça que me quebrasse. Essa foi foda. Quase me perdi. Não, me perdi. Estou perdidamente apaixonado pela paixão Que tenho ao

AOS TEUS OUVIDOS

Em mim, um pensamento proibido, antes da palavra ser-não-ser aos teus ouvidos. As páginas meladas pelas maçãs oleosas do Éden.

PERIGOSO SAIR

Em quatro de outubro de setenta e quatro, estava a andar no caminho entre o colégio e algum lugar. Um menino jogava pedras num homossexual. Um homem brincava de enterrar uma mulher até o pescoço. Uma menina me olhava com gula paleolítica. Anne Sexton morria naquele dia. Por isso, ao chegar em algum lugar, senti a gordura vazando da vida, como a mulher saindo do homem, o homem da mulher. Encontrou a noite desejada, lugar de mito menstruado. Ao longe, a rubra doença do amor. Ontem, foi dia de lembrar dos corajosos, para prevení-los de que é perigoso sair. A porta de sair emperra na volta.

MINHAS PALAVRAS

Minhas palavras estão cegas. Já não são claras como o ódio. Há girassóis sorrindo  Como salgueiros-chorões.

APROVEITEMOS

O tempo está na esteira pra tirar as gordurinhas. Ainda não corre. Anda. Hoje fará para os braços dos minutos e segundos exercícios esforçados. O tempo não é mais como era antigamente. Porém, é dedicado, se esforça, e logo estará forte de novo. Toma aminoácidos, come dúzias de ovos por dia. Creatina. Bom a gente aproveitar então que o tempo tem contados dias de colesterol e deselegância. Mentira, o tempo é sarado desde criança, diz o espaço.

UM SOPRO

Da sombra de um desprezo, restabeleceu-se e quando ali chegou, olhos bem espertos, ditou num carinho um verso tão soprado que sumiu no ar a asa do abandonar pegou um livro de Epicteto

BEIJO E QUEIJO

Um beijo no bojo desejo em desenho depois o infinito de um cenho a gozar o ensejo de todos vendo o beijo

UM NOME ESCRITO

Escrevi um nome na pele com tinta invisibilíssima. Doeu, mas segurei a dor Como meu pai ensinou. Escrevi um nome no estômago. Sangrou como eu não esperava. Quando gritei já era tarde Para o sol me arder e nutrir.

PELE-TELA

poética pele estendida para a projeção de meus fantasmas constrói destrói um ser que projeta embora ficção no rosto avessa via que o espelho meu cria quando quebra em minha pele tiros de realidade são tato áspero

FLAUTISTA DE PRESAS RECOLHIDAS

Por ter dado a hora, Desceu da montanha, e, Fechadas as presas, perfurou a cidade. Deslizou sobre as ruas, Seguindo os cães, soprou a flauta, pois era tempo de recomeçar. Recolheu seu diálogo de águia, E flauteou pouco pois tinha pulmões diminutos. Era o seu objetivo trilhar esse inferno urbano, A buscar ratos que valessem a pena. Os homens não tinham salvação. Mas os ratos tinham. Nas ondas espelhadas das poças Flauteava sualma em oculto. E os ratos (Os que não viraram homens) O seguiam, mal soprava.

TORNO-ME INFAME

- É triste, poeta, O teu semblante. Parece até Que és Gogh ou Dante... - Deusa suicida A sussurrar Fez sedução Pra te levar? - Minha palavra Em riso e dor Trazer-te-ia Um deus melhor. - Tão só, oblíquo, Sem anjo e deuses, Tu só terás Caixão no Elêusis. "Se minha alma em risco Causa luto e enxame, Vôo no ignoto, Mais só fico e infame!"

EROS/TÔNICO

Precipito-me no abismo De tu'alma-continente, Abundante e cor de barro, Cidade e noite-nação,  Amulatada a penumbra, Beleza de céu e chão, Tal brasileiro mistério, Argila dorsal e in/dócil De placas eros/paixão, E ainda em mim vou driblando O medo de entontecer De vez em tua ciranda, Mitologia de ser Espanto em teu acalanto, Escuro do esclarecer, Toda cor a teus recantos, Nas bandas do em/ti/tecer.

RIMA SACANA

Sou brasileiro: safada rima de Cancão com Macunaíma.

MAS VEIO E LASCOU

Éramos amigos. Levezas sustentavam nossos mares. Sempre um sorriso quente a chover. Sempre uma quentura mole no olhar mútuo. Sempre um cuidar para que o outro não acinzentasse. Mas veio o poder e passou-nos a mão na cabeça. Um iceberg gerou-se em nós e começou a afundar nossos navios.

FLORES NO ASFALTO

Flores no asfalto, Placas assassinas Ante carros ingênuos. Grita o sangue fátuo Nas calhas corpóreas, Arruinados passos Na selva urbana - bombas, Nos pesadelos gráceis,  Nos beirais das densas, Sujas rosas de lixo. Entre peles de lata, Com besouros fósseis. E no entorno vozes de I-pods i-púbis i-pads De shoppings físseis. É assim que o esquife, O túmulo sempre se abre Para consumos dos povos Calcificados - classificados, É assim em dourada remela. Assoa o nariz e o limpa  No papel da bala-neon Que só compramos  Pra manter as diferenças  De sofás nas salas.

HABITAR UM TEXTO

Metáforas líquidas Afogando palavras. Leituras em pretexto Como receitas certas. Poemas tudo a escrever Com substância de nada. Habitar um texto e ser Lugar de intenções.

ASSIM VI TEU ROSTO

Assim vi teu rosto: sete pássaros, um no vôo, o olho que não me piscavas. Os galhos e capins suaves: rugas mínimas em tua aurora.

MULHERES DESCASCADAS

Mulheres descascadas em toda alma, De cabelos curtos e liberdades ilusórias. E homens que as amam, Mas as enterram em terras cheirosas, E cortam seus cabelos com tesouras de cedro, E esmagam seus clitóris com sabões de carvalho, Desérticos homens que esterilizam suas flores, Que as adoram de cimitarra e ácido à mão.

O TEMPO ADOÇOU O AMOR

O leve tempo adoçou-lhe o amor, A inundação dos fatos, Cantado pelos grilos aos casais. A rua estava em câmera lenta. A lua apoiava-se no cume da serra, De crateras semicerradas. Uma estrela acendia quando outra apagava. A espaços, um anjo acendia uma lanterna.

SUICÍDIO MALOGRADO

Quando fui ao fogo, não morri de imediato. Salamandras me cantaram, semitonando um bocado. Entrei na casa da quente fogueira que me tomava. Tomei um banho em centelhas, sentei como o rei da casa. Me serviram drink em febre, a canção "A vida é Breve", e ao canto grave da Morte deixei o fogo de leve.

POEMA SUICIDA

Meu poema sem fecho  Está fechado no livro Com vida em bolhas. Vedou todas as folhas. Pôs línguas lá dentro. Só observo, na mesa. Logo, forçarei a entrada. E farei boca-a-boca Na poesia fechada.

COMUNGAR

Comungar com os cavalos, Após levantar a xícara, Ler as mensagens do esterco, O desgaste das botas, Um naco de feno comer, Tomar o café, beber A profecia da borra: A fina faina da escrita. Esfregar o poema. Depois, olhar o mundo, Esfregando o estar nele Com perplexidade de gnomo.

FELIZ COMO UMA RISADA

O poeta desistiu. Não devia mas desistiu. Nada o demoveu. Tinha de ir.  Foi. Quando voltou, estava molhado de sonhos rotos, ferido de choques de ondas, mas como uma risada aquecida num bar.