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Mostrando postagens de novembro, 2013

EXEGESES SOBRE O PÃO

De exegeses sobre a morte do pão caído com o lado da manteiga pra baixo estou farto,  melhor lamber o caldo da noite misturada ao dia e seu fim recomeçado a cada vez que vemos os fatos com mais frequência A vida é dar três passos e parar dizer um verso e continuar até que deitemos de vez segundo meu amigo de versos diverso de outros amigos que tenho que um dia darão dois passos e deitarão a perder

FALAR DESTE MOMENTO

Falar deste momento: o sonho o sofá o cérebro aberto sobre o livro o amor e a morte na panela cozendo e longe xingamentos se ouvem devem ser vozes no navio alheio cantando fantasmagóricos mares há filmes para ver na gaveta não que tenhamos de nos enfiar na gaveta mas há filmes que se assistidos mudam o ser de quem assiste e as falsidades se aproximam nunca viram um ouvido como o meu neste momento a lua lá fora enrugada para o dragão que prefere as manchas do sol almas nos becos das prateleiras há um carinho que vem e vai roçando a chuva desesperada

SEI QUE DECORRE DO PACTO

sei que decorre do pacto este sangue ralo e doce a paisagem que fingi nos olhos o cheiro que criei da ilusão o livro amarelo e com traças melhor digo: deixa as traças a que me façam companhia fico fácil desesperado e romântico sei que é inevitável leva a pedra que comprei de Sísifo as dores que serviram aos poemas os delírios que suguei das nuvens leva a língua que comprei de Íxion o cd do Pink Floyd o último lançamento da Ford que não tenho todo pacto tem suas regras pode levar a musa a rasgada blusa escrito yakusa e boca chiusa sobre minha inexistência sobre a panela preta a frigideira arranhada a xícara quebrada a alma com veias de sangue o corpo aéreo e por último leva o sentido que nunca descobri das coisas evitadas

CORDÉIS MORAIS

E fizeram tudo Pra correr o desejo E punir em nós Seus efeitos. E fizeram tudo, Os da casta arcaica, Açoitando com versículos Os sexos das estátuas. Veio ferido, Compadecido, Crucificado Nos sentidos. E fez crescer tatos Ao rés da pele, Remexendo as grutas Ao entrar, apesar Dos pregadores Agitarem os cordéis Com suas varas tortas.

PERDEMOS SEGUNDO AS REGRAS

Perdemos a boca Do tempo a soprar-nos Para certo lado. Perdemos os portos antes De fecharmos a conta, Embora navegando Segundo as regras do mapa, Quebra-Cabeças. Por isso, o ser assim, Com cara de paisagem.

RESSOAR

A poesia estende o púbis, húmus, alma, louco senso, ressoando plume/implume, Vai assim me estrangeirando por dentro me destripando, me entrincheirando em lirismos, Estendo as mãos no papel, na intimidade do poema retalho infernos com céus

NAVEGO E ASSIM AVANÇO

Navego e assim Avanço um pouco. Onde o tempo com Remos lentos destece-nos O adulto, sobra Que à criança esquece

VENENO DOCE

A coragem nua, as aves em delírio. Romeu vê cortes subindo. O gume da fome de ser da casa Supera shakespeare e seu veneno doce.

TEMPO TEMPERO

Nosso tempo tempera a pele da alma com o som  da música que o espaço infunde

MÃOS SUSTENTAM SOBRAS

As mãos sustentam as sobras, Em rubor e ossos ansiosos, Não sem mares salobros Nos sonhos buliçosos. E as naus a que me prendo, Não sei se é doença ou cura, Sei que o óleo que desprendem Não favorece a pintura.

LEMBRO

Lembro: o mar se abria Enquanto nascias. Lembro, o sol ciava, Enquanto eras jovem. Lembro-te o eu ferido No outono. Choravas tanto. Lembro tudo um pouco antes.

O TEMPO

As cidades que criei,  por exemplo,  com as ervas da experiência em suas praças. Demasiadas as responsabilidades urbanas. Cidades não podem ser criadas com bestas. Tenho de me desintoxicar de quimeras. Tenho de me entupir no entanto delas. O tempo de cultivar é ambíguo.

POESIA E COMIDA

Poeta faminto não cria poemas. Mas moendo um miolo Já faz um grafema. Poeta sedento não segura o ser. Mas se bebe orvalho Versos faz nascer. Um poeta em becos Pode até criar Se achar um seco Grão para mascar. Veja o poeta pobre Com livro composto... Mal come, pois cobre Carne magra ao rosto. Com sede e com fome Só a morte vive. Mais o poeta come, Mais seu poema é livre.

O MEU NARIZ

Lançam olhares ao meu nasal Sequer ligando ao seu tremer. - Que infeliz! - fala o pessoal. - Sua buzina é de doer! Caminho frente aos "narizinhos", Ganhando bom tempo e bom espaço. Se há cheiro à solta nos caminhos, Sirvo-me deste narizaço. Com toda inveja da grande quilha, Vivem zombando os caras maus Do meu nariz - como se vissem Crime e ofensa no meu nasal. Mas meu nariz vai indo em frente, Brilhante, reto e bem feliz. Abre seus poros, indiferente: - Saia da frente, sou meu país!

CARTAS DE JAMES JOYCE

Era dia dezesseis De junho de zero quatro, mil novecentos e quatro. Primeiro encontro de Joyce. Ia o seu pensamento Veloz no perfil de Nora. "Bloom Bloom Bloom, Sinto as tuas intensas partes de carne e ciência, mexo em teu árdego ventre, faço teu rosto em fogacho de olhares loucoimensos", escreveu o JAMES JOYCE à sua esposa em libido. Quem é ele, tu me indagas? É Joyce, o James Joyce! O que escreveu Dubli...dubli... Nonsense? Algo assim. Cantou tanto a sua amada, Poliu su'inflada planta Que ela ao sul bem regava Pra doces toques diários. Rubi rubro dilatado, Tomate em carnal salada: Mata cheia e delicada! Para o seu James Joyce, Que escreveu p'rela destarte: "Como a sua 'coisa' cheira em Teu corpo suado e forte! Não há nada que eu mais queira! Lambo-te toda ao comprido, Mordo-te as costas-recheio!" As cartas do escritor Falam coisas cabeludas Pra Nora, sua tesuda Esposa meiga e querida... O amor? floresta muda De

CRITICAM A TI

Criticam a ti por arranhares Com bolinhos de escuro e lama ao sonho Envolto em gordas emoções de algodão Então Para quem ousa nos afrontar Com preconceitos pontiagudos Nossas almas redondas e mudas Xingando auroras e crepúsculos

NO GALHO DO TEMPO

Era outra a folha viva no galho do tempo Havia sapos e rãs e o medo dos lagos E uma visão altiva de Mulheres louras fora e dentro de banheiro A minha primeira musa - vampira em meu Onanismo assombrado Só eu e uma turma esquisita viamos-lhe as pernas brancas Grossas e sanguíneas nos calendários Depois fazíamos competição de saliva Assim nasceu também o bebê-diabo De um cuspe mal lançado

ESTAVA ALI

Estava ali no livro  da cozinha  do cérebro até que chegassem temperos de carga semântica, para encher o prato no espaço entre o olho e o vazio à frente onde morria o poema

MEU RUBOR

Meu rubor, trace no espaço A cabeça e me releve, Trace também o pescoço, Trace os braços, trace as pernas, Faça um assaz riscado No espaço, enfim, que sirva Ao verbo, sem diz-que-diz-que, Pois o poema assim atreve-se, E quer SER, cobrir-me a mesa, Gelar a letra na sebe Do papel, que lhe emaranha. Meu rubor, tira essas presas De ferir amor que atreve-se, E mantenha a boca insana Mesmo para um beijo-service No poema e observe Que já papeou mil linhas De rubores indeléveis. Cuidado, então, almocreve!

ERIÇADO EM CORAGEM

Fingindo coragem no tempo que me resta, a rua que me age me atropela Eriçado em dor, ajo com nós que instalo no verso e recrio-me, sem desatá-los

AMANHECEMO-NOS

Amanhecemo-nos, filhas, com nós nas colcheias, asas e fêmures, e com muitas atenções no alerta violento dos fatos e ainda há muitas manhãs por vir na cavalaria dos segundos Com alegria, amanhecemo-nos, tua mãe e eu, desde que nasceram

LENDO SÁ

Na minha alma pés deslizam. Caem no piso molhado. Pra mim é bom que seja assim. Passos e marcas de lado. Minha criança-eu dançando, o piso embaixo a chamando. Na minha alma, pula. Não vê o piso molhado nem os rasgos no telhado prestes a cair em cima. Assim, a minha alma vai, assado a minha alma vem. Só eu a julgá-la bem, só eu a jogá-la mal. Estava lendo Mário de Sá e me li sem quebrar, querendo. 

MORFINO-SER

Amigos, vamos ficar nos gabinetes. Por que ser um poeta revolucionário? Com a alma revolta e batendo na mesa com o falo e a fala? Sentir a vida, sinto-a aqui. Já andei pelas ruas. Já abri meu corpo aos vícios. Fumei experiências quebra-peito, etc. Hoje, quero ficar aqui. Na minha torre de marfim. Que não é de marfim. É uma torre de fim. É uma torre de fim. De amor-fim. Morfino.

FILME DENTRO-DE-MIM

No filme DENTRO-DE-MIM Minha Morte Subjetiva Começa com o desespero e créditos finais De cada frustração súbita Apenas a face cortada de tua lua Mulher abstrata, serve-me a carne Para a alma em transe com palavras Não sabe sequer Apenas fechará sobre mim suas bandas ao fim Mulher abstrata de (in)fértil montanha Não, não tenho a ponte Além - Nietzsche, Apenas olho dum morro de idéias em deslizamento Como mania de buscar as tuas costas Para ficar feliz prometeu acorrentado a ti Na imagem, uma mãe gorila estampada sobre o tanque de guerra Filho do outro que fez fama na Praça da Paz Mulher abstrata de sentido liquido Vamos tomar um chopp E retalhar estrofes antigas A procura da obra é continuação Da busca de deus e da mulher Termina com os créditos iniciais e a esperança

UNS VIVEM OUTROS PENSAM

Uns vivem de pé. Outros tentam empalar o Universo  com sabedorias compridas. Outros, de meias,  almejam dominar o mercado financeiro,  só aguardam arreios. Outros esperam a hora da cópula com o nada. Outros, na língua passam escovas de ansiedades. Mas há os que apenas vivem.

CARNE NA CARNE EM FECHO

Deslizar as rubras tintas nem sempre dá rubro quadro novo solo velho adubo pode o fruto devorá-lo forçando a graça e o poço o sal o sol como achados alisar nova textura rechaçar o charco e o osso pelo amor em largos beijos repassando a vida em postas carne na carne em seu fecho

FERIDAS ESTOURADAS

A rua de minha aldeia chamada Brasil comporta igualdades e diferenças e aguenta o peso de todas as decisões e indecisões sobre corrupções e assassinatos e vendedores de virtudes e paixões e prostitutas jovens no nordeste sendo vendidas por pais e mestres e tráfico de órgãos e pianos e planos de saúde caros como  a barata consciência sem inseticida que combata sua vida insana e espúria e aguenta jovens sendo perdidos para a droga de um tempo sem sentido e luta e sonho e aguenta mulheres sendo enganadas com umas poucas conquistas e ludibriadas com o sentimento de mães de todos e com as portas do carro abertas por homens que se acham e dizem cavalheiros e que querem suas donzelas cientes dos deveres de cozinhar, lavar, sorrir e trepar nos bancos das igrejas fundamentais para ditar valores que vem de longe pendurados nas barbas dos ancestrais que estão tão mortos mortinhos quanto o desejo de um mundo de pensamento único de vamos ver q

MERGULHO NO TEMPO E NO RIO

Não se pode mergulhar duas vezes no mesmo rio, apesar do rio me parecer sempre o mesmo, com a mesma margem e suas moitas, e as mesmas árvores ao longe. A mesma família mora ali há anos, minha avó recebia os aluguéis quando era dona da casa onde mora a família. Depois meu avô e minha avó morreram. E o rio continuou ali, um pouco mais sujo, afogando alguns de vez em quando sem querer, porque um rio geralmente é muito bondoso. O mar é que tem seus rompantes, ora manso, ora bravo. Mas como dizia, duas vezes não se mergulha. Até porque o tempo passa e se veste de hoje em qualquer espaço onde estacione. A família mora ali há anos, mas já esta afetada pela urbana face. Traficantes possuem uma boca perto. Prostitutas gostam de parar frente ao rio de madrugada e ofertar-lhe os pés, quando muito as coxas. É quando o rio diz: "ai, que felicidade!" Não se pode mergulhar duas vezes no mesmo rio.

ELA DORME ELE OLHA

Ele olha pra ela que dorme no sofá encolhida, parece calma, e respira em harmonia com a rede lá fora que um vento safado balança. Ele pega a mão dela, ela finge que não sente as mãos calosas dele, finge que não ouve o coração dele, finge que não sente  o quanto ele esconde as palavras como pedras colecionadas  para a beira da água do amor. Lembra da primeira dança em que ela de olhos fechados imitava uma nuvem carregada ou melhor um girassol romântico e mais longe lembra quando no balanço ela o cobria com celestes raios, lançados do calor de suas retinas. Ela dorme tão quieta que chega a ouvir os rios do entorno do éden, embora só ela saiba que não dorme, pois assim pode melhor senti-lo  em toda entrega do ser, frágil só pra ela, forte só pra ela.

PONTAS DOS DEDOS

E os jornalistas faziam perguntas suspeitas e os bandidos se regozijavam quando os jornalistas vendidos perguntavam sobre o motivo do verde ser a cor preferida da vegetação ou sobre o motivo da estátua da Justiça pegar a balança com nojo pelas pontinhas dos dedos ou sobre os emancipadores no cume do obelisco Quando o juiz se moveu da cadeira os bandidos tremeram um instante mas fingiram bem a tremida fingiram bem o olhar e o juiz não percebeu o medo e pouco lhe importava isso comparado com crime dos bandidos Tudo estava meio tenso até quando uma folha de papel em branco deslizou sobre o assoalho ajudada pelo ventilador Foi quando a vítima dos bandidos pegou o papel em branco  envenenado de poemas escuros, dobrou em quatro pedacinhos e entregou a cada um de seus quatro filhos, pois ela bem sabia da frequência com que seus filhos iam ao banheiro Tudo estava meio em suspenso e ninguém percebeu o pensamento imperceptível da Justiça querendo largar a ba

LÍNGUA DO MEU PENSAR

A língua do meu pensar lambe o que cata o olhar. A língua do meu pensar lambe o que toca ao me ler. A língua do meu pensar lambe os joelhos do canto. A língua do meu pensar lambe a coxa do anseio. A língua do meu pensar lambe o sol a lua o mar. A língua do meu pensar lambe a mente em receio. A língua do meu pensar de lamber mói a lombar da frase mandibular. A língua do meu pensar é o que penso e deduzo para no pó me expressar.

ACHAQUE CHOQUE ROUCO ROCK

U m tem chique a chaque . Outro chuta em choque E checa a guitarra. Um achata a xícara. Outro leão de chácara. Sou um cantor rouco, Mas confie, loque. Rouco também Canta rock.

CACHOEIRAS DE SIGNOS

Incendiara os escuros No braço claro da manhã. De madrugada, andou sobre as águas, com folhas ao pé, em cima da ponte do rio-eu. Subiu pelo papel, a tempo ainda De aperfeiçoar e cultivar letras no forno. Havia tempo para o princípio do canto E de escutar o pé-no-sacro "era uma vez".

ENFIM, SÓS

Hás de ficar velha, e buscarás a mim no retrato oculto em meio aos pingentes. E eu, velho, em remorsos, procurarei Encontrar a ti em velhos presentes . E aquela elegância que plena ostentavas Não dará sinal, nem o tom indócil Que eu te lançava causará mais mal, Tua face bela como a minha: óssea. Lembrarás as guerras que por ti vencia, Lembrarei do quanto nossa voz Alçava em supremas alegrias. E um dia esbarraremos nos faróis De movimentada rodovia, E te direi, ferrado: enfim, sós!

ENFERMA

Ela nada num jardim abstrato enquanto as ondas quebram, a mente sobre a carne das ilhas Espera o fim, a face inflada pelo verde, a alma encharcada de relampejar nas árvores Espera o recomeço, o pássaro livre, a lágrima rolando os lábios secos, o ar denso nos jornais embora

ACOSTUMOU-SE

No fincar as garras sobre noites acostumou-se ao escuro. Seus olhos e seus pelos nunca mais foram os mesmos. Quando tocam em seus cabelos, há estrelas e buracos negros. Mas um rio de esperança  sempre flui...

PLASMAR A SÓS

Numa mania rebelde, Prefere agitar no vazio Um esquecido oceano Plantado nos corais. Tempestuar única voz: - Plasmar a sós.

ESCREVER

Escrever O que suportar Carregar no papel O que tiver altura Assuntar De acordo com a voz E de novo e de novo E de novo e de novo Escrever rasgando o ser

RODA INCESSANTE

Está a trabalhar o homem. Roda em sua roda incessante. Não para, não admite parar. Para que serve um Hamster? Para que serve um Homem? Para que servem um Homem? O sistema come-lhe a cabeça. Como comemos cabeças de peixe. E é quase sempre sábado onde as como. O sistema passa sua alma aos lábios. Como o pequeno trabalha! O barulho irrita, mas ele tem culpa??? Está a trabalhar. Dou-lhe ração e água em troca. E ele só alimenta meu prazer de o ver. Uma beleza pequenina de quatro patas. Ele tem uma disciplina oriental. Ainda não sabe do ócio fundamental. Seus ascendentes devem ser formigas.

SEM PROCURAR SENTIDOS

Sem algo a oferecer, aqui nesta janela me apóio. Em baixo, todos querem algo. Também querem entender. O que posso lhes oferecer, sem missão ou talento ou poderes extraterrenos? Posso dar raiva e água...mas.. somente pra uns poucos. Diariamente, me crio uma janela pra me ver com a imaginação. Sem pensamentos profundos como procurar sentidos para isto: um eu a escrever a navegar sem chegar ao fim das pedras nas mãos que as arremessam.

SOL DIVERSO

Um homem fora do lugar. Qual seria o lugar? Este, de dentro? Na pauta, um homem senta seu ser de árvore e rocha. Não pertence à sombra dos dias. Seu sol é circulado de noites espirais.

UM B. BUM.

A vida de um homem B. A vida de uma bactéria. Num grão de pó sua alma. Nada usa com moderação. Voltemos ao fato. Atravessa a rua. Miram-no e não caem. Porém, seu ser é escuro Buraco. Ou Berro De Barro. Um B. BUM.

O CÃO DE ARTAUD

Um cão de nome Artaud estirado na calçada. Uma multidão em fragmentos lhe desenhava. Uma massa enorme de um cão dos grandes. Um cheiro nauseante de violência. Embora não haja sangue. Pode ter sido morte natural. Venero a existência nua. A partir de ter topado com esse cão. Talvez por minha necessidade de ilusão. Ou por nada. Artaud também deve ter tido um cão. Seu nome devia ser Teatro. Deve ter alimentado ele com carne de primeira.

NOSSO REINO

Fotografia de um objeto traz à memória o toque inicial, que pousa sobre o objeto como a lua no colo de um poeta em delírio. Sem a flor-memória, nosso reino é inominável.

ARTE E CAOS

A Arte dá sentido ao caos. A Arte não dá sentido ao caos. Crianças ainda sentem fome sem sentido, inobstante a Arte. Por exemplo, ouvimos ONCE UPON A TIME, um sem-sentido entra E ERA UMA VEZ. O caos é o caos. A Arte é o sentido, mas por aí sentem fome, e, ainda assim, sentidamente, assentimos.

VARAL OLHADO COM CONTEMPLAÇÃO

Olhando num varal calcinhas e vestidos de toda cor, um homem chega a pensar na dor velada de se achar insignificante e de oprimir o indistinto. Mas, olhando por um outro ângulo, dá uma fome danada de algo que nos concede morte e a ressurreição e tem um triângulo de feição.

BUM DE TODO MODO

Se todos soubessem da verdade, o mundo não existiria? Haveria harmonia? Todos seriam poderosos. Então, bum. Se todos fossem mentirosos, teriam o Poder da Mentira. Haveria BUM de todo modo. Então, bum.

UMA TELA SEM SAÍDA

Que privilégio o de poder acordar, ir até o banheiro, esvaziar o que restou, e pensar no por fazer, na areia de uma  praia pensada. Depois, olhar o relógio, esse grilo falante que não fala, mas pressiona bastante. Uma tela de PC sem saída para um onde.

TRANSFORMANDO

O que me transforma É sem lide? É a vida fosco vidro Ou revide oco? Os cacos me esboçam Em postas de espelho E ferem a escrita Da pele que sanfona. Dei mil vidas às mãos, Dei corte ao doer, E gerei-me graças Ao me estilhaçar. Fiquei ser de pontas, Da lua no entorno Ser de insones Semas e espinhos.

BRAÇOS EM VOLTA

Agora, braços em volta De uma efêmera foto. Das vítimas no mundo. Clitoridomia. Modelos sem clítoris entre 140 milhões. Ablação do prazer. Ritual milenar. Semente de religiões. Sinalizam que o homem há muito é morto. Há um cavalo chamado desespero. Um falho ser joga boliche com Charlie. E sorri a um paraíso cheio de pelos. Uma amiga tem faringite. Tragédias se superam. Todos pensam na árvore inicial onde se encostavam contadores de história que eram bons com seus ouvintes, entre os quais não havia mulheres. O amor tem aspectos de amorodomia.

APOIO

O Tempo veio e te mirou sério Já o Espaço - uma sereia safada - Abriu-se em cheio para ti, Mas não pulaste O cantinho estava bom E pudeste cheirar a vida No pássaro que dava saltos Logo abaixo do poste

POSIÇÃO

Você tenta achar uma posição entre lençóis e cobertas. O abajur está aceso. Um livro jaz sonado. Você ficou só no abismo das horas. E com cansaço até de pensar. O dia consumiu tudo em ilusões. Como se tudo fosse vertigem. Vertigem deve ter acendido o abajur quando te possuiu fazendo desmaiar o livro.

HÁBITO DE ESCREVER

O hábito desde que acordamos logo que o sol nasce nos conduz a um limite intransponível e a uma tendência incerta de fazer receitas. O hábito de escrever fácil ou difícil, enquanto a alma mergulha, por exemplo.

POEMA E BOLO DE AVEIA

O amor sem garantias O eterno jeito de ceia O amor e sua azia Uma reta fugidia Uma mole geometria Um bem e um pouco de mal O amor e sua teia Vitamina e sonrisal Sorriso e bolo de aveia Veia sangrando macia O medo em funda bacia Controlado vinho e sal Descontrolado de frente Arrebatado ou mendaz Livre ou forçosamente Gerando crime serial De dar formas à semente De planta fenomenal Onde o ser monta e desmonta Com a alma peneirando Paixões que fiam de ontens Hojes que bem se estruturam Em gestos descabelados De amanhãs que mal se apuram

COM VOZ DE IRMÃO

A manhã deste dia conflagrado onde se briga por um fiapo de um tecido podre, com voz de irmão, cantou no ouvido dos cães para que pudessem chegar aos dons do grande lobo ao luar e uivar em esperança de mais caça mais montanhas e lealdade

OLHAR COM TERNURA

O tempo corre. O tempo ressurge De onde morre. Olhar com calma A flor no musgo. O musgo na pedra. O caramujo. Perder um tempo. Quebrar o ponteiro. Sacudir a água do espelho. Ver a cor das flores. Ver o movimento do lobo. Olhar com ternura, Pois não há cura Para as coisas sujas A não ser um novo olhar, Como o de olhos De um deus jovem Com verbo de floresta virgem.

BREVE NOS TOCAM OS OLHOS

Breve nos tocam os olhos de Sakura, flor de cerejeira, róseo amor, frutífera madeira nobre, princesa que do céu aterrissou em nossa árvore de estrofes abertas, vidrilhos efêmeros nas retinas, pétalas prontas a absorver o sonho-orvalho dos que se foram.

SOBRE CITAÇÃO DE EMERSON

Conselho que eu ouvi  darem a um jovem: faça sempre o que você tem medo de fazer. Ele parou a onda que cobriria sua cidade. Ele derrubou o Prefeito, plantou nas encostas do Cubatão sonhos com pesadelos nas pontas. Ele soprou supersônicos pra longe, jogou pó de mico nos olhos do Poder e ressuscitou seus ídolos do rock, em número de cem.

SOBRE UMA CITAÇÃO DE MILLOR FERNANDES

O mal da cultura reside no poder que a manipula depois de roubá-la do artista que dorme na adoração de si, o mal da cultura é que usando uma lente inocente de linguagens dúbias cai na sedução do adulador, ela amplia e alisa gigantescamente a nossa (s)ignorância, excreção  da pretensão  de ser cult.