PAIXÃO PASÁRGADA

coisas há que entendo coisas que desfruto que prendo que liberto mas só quando escrevo falo mudo linguagens ledas e justas

trago debaixo dos olhos visões cuneiformes é quando a pele da alma encosta no olhar das coisas súbitas

acho graça aérea no voo do que quer que seja asa e ânsia na frase andeja, e me espanta não a desgraça da matéria

de braços dados com a morte vemos que ela olha uns e outros infiel

A lentidão de horas a dormirem no regaço da noite, num roncar leve, enquanto a lua faz as unhas das canções magoadas dos pássaros estelares

Hei de gostar do que vier com música, do que nasça de repente e pouse no ser com luz, aliviando o olho em pus da mágoa

Não foi piedoso com a louca do ponto, o espelho devorou sua beleza cadente na foz do tempo um tanto

Falei mais do medo que do adejante espanto, falei do chão bem mais, por estar longe o vôo da música-metade de um deus que surgirá no horizonte

Eu escapo entre o fechar e o se exibir por pudor das dores escancaradas do que for Fecho a boca e vou pra que ela não saia por aí a dizer o que não sou e fim

O sonho permanece e roda e não se mede tão fácil como a percentagem de gordura nas costas do bife que te ofereceram em uma festa lá longe depois de uma peça de teatro

No barco da essência rimos, por encontrarmos no fundo os remos que movem a existência

O espelho sopra o cabelo do tempo sempre breve e belo no rosto transparente dos anseios que lhe submetem

Da primeira vez que o amor assombrou, fotografei seus pirilampos, para que não mais assombrasse a alma em sua ampla planície plácida

Epitáfio: aqui jaz o poeta que não deu apoio a si mesmo, aqui jaz modelo-aboio dos bois a esmo, aqui jaz o tolo que não comeu as lesmas do bolo dos sonhos, aqui jaz um corpo que faz a terra ter enjôos por não ter resistido mais às cuspidelas do coro

meu corpo vive lembrando, a alma fala esquecendo, o que me falam só acredito vendo

recordo ainda o amigo que cansou da refrega com o corpo amargo, mas a alma doce, leda com um cisne

deixei passar o trovão os relâmpagos, mas chorei a chuva tão leve e fina, em seu véu saudoso de memória antiga

máscaras usamos no estro, grudam no corpo/alma e não saem fácil nem com verdades  de empréstimo

Palavras vão como aves-vento, pérolas nascem quando chegam boas nos corações. E não fazem rios que se repetem. Rabiscam-nos muito e são como soldados calados ou não. Cada poema é um lutando uma batalha para muitos. Um soldado para confrontos sensíveis.