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RASGA-MORTALHA inspirado em poema de Edgard Allan Poe - The Raven (O CORVO)



Meia-noite? Pouco mais. Tava zonzo, sem noção.
Folheava um pornô raro... Carlos Zéfiro! Não leu?
Meu olhar em gozo armado debulhava sobre a mesa.
“Ouço o som do interfone!” A dor na espinha excedeu.
“Quem toca meu interfone? ...Não é nada, penso eu.
...Impressão de quem bebeu.”

Foi no final de setembro. Meu aniversário, eu lembro.
Não paguei a luz. E angústia ao meu peito arrefeceu.
Ansiava logo o dia. Essa noite me soprava
Na verve desmiolada poema que me fendeu,
Lembrei dela, bati uma. Se chegasse alguém fudeu.
....O gozo me entorpeceu!

A cortina na vidraça balançava, piorando
Minha instável arritmia, que o medo reviveu.
Ouço de novo o interfone e a preguiça se vai...
“É uma cliente atrasada que o horário esqueceu???
Mas massagem a esta hora???Meu coiso já amoleceu.
Puxo a braguilha. Doeeeeuuuuu!”

Corro e ponho a chave e falo antes de abrir a porta:
“ Moça, perdoe a demora, quase a chave se perdeu.
Estava morto de sono, e o interfone está tão fraco.
Extenuado, tonto, tenso, meu juízo escafedeu.”
Eis que quando a escancaro ouço um uivo em meio ao breu!
Meu intestino desdeu!

E tremeu-me o coração em descompasso fodido:
“ Mas que uivo pavoroso! Será do Cujo Asmodeu?
Um grito de dar necrose em paus mega endurecidos. ”
Gritei num tesão retado que a tudo ensombreceu.
Uma boca riu sozinha. Nenhum eco sucedeu...
Será que Deus se ofendeu?

Logo ao reentrar no quarto, todo em merda, da vidraça
Ouço um som mais forte e caio, a bexiga distendeu.
“Terei de ver de pertinho se um encaixe foi perdido.
Mexer com janela é saco, do caralho! Foda, meu!
Pode ter sido mau vento que ao vidro estremeceu.
Rezar pra Judas Tadeu!”

Abro a vidraça e bem presto um fedor entra, esvoaça.
Faço na calça de novo. Penas o pó suspendeu.
Deve ter milhões de anos... “- Porra, a Rasga-Mortalha !”
Pousa na porta do quarto, entre bronzes se espremeu,
Peitos aos quais esculpi numa noite em que choveu.
Inspiração que me deu.

Falei à Rasga-Mortalha depois de cuspir num canto:
“Não me faz agrado o jeito com qual você procedeu,
Foi bem grossa a atitude com que aqui foi entrando,
Tem tempo de me escutar, ó ser que cheira a pneu?
Porque não volta pro inferno, onde o ser do mal cresceu?”
“- Inês é morta! Fedeu!”

Quedei-me, boquiaberto, de ouvi-la falar bem,
Quem lhe alfabetizou? Ou disso não careceu?
Escolheu a minha porta, e nuns peitos fez pousada...
“Vejo marcas no seu bico de anticristo caldeu.
De Baco diretamente dirão que meu ser bebeu...
Nunca mais bebo...ic...entendeu?"

Suindara o nome dessa Mortalha quando mortal.
Deu àquele "Inês é morta" toda a força que a valeu.
Depois ficou lá, calada, regurgitando e comendo.
Disse a ela, em meu pensar: “sei que o destino seu
É partir, qual meus amigos, quando o medo lhes moveu.”
“ - Inês é morta! Fedeu!"

“Quem  lhe ensinou tal frase? Foi pelo pai amestrada?
Deve o pai ter ensinado alquimias que aprendeu.
Não só de rasgar mortalha seu agouro se sustenta?
Que bom que não é irada como o filho de Peleu!
Mas sua frase nos faz lembrar tudo que morreu:
“ - Inês é morta! Morreu!”

Encostei - me na poltrona de corino quebradiço,
E pensei sobre a razão do agouro que expendeu,
Que movimenta caveiras de cemitérios antigos.
Não me rasgou a mortalha, nem o meu teto cedeu,
Mas me sangrou com a frase sem cortar o corpo meu:
“Inês morreu, Zebedeu!"

Eis o drama de Suindara quando era uma de nós:
Amava o filho de um Conde, mas outra se intrometeu.
Insana e sonsa, a Dessinha, segunda esposa do Conde
Mandou matar Suindara, filha amada de Eliseu,
Que era famoso bruxo pra quem a filha era céu.
Era seu Tudo, seu Deus!

Com estátua de coruja enfeitaram a sua cripta.
Foi graças a Suindara que o povo a ler aprendeu”.
Eliseu fez um feitiço, descobrindo a assassina.
E à filha fez coruja, com fúria de fariseus,
Sua linda corujinha à Condessa a(Morte)ceu...
Ou seja esta se fodeu.

Depois disso, quanta angústia ela pôs em toda parte!
"Cansou ela de voar por este mundão de Deus?
Por qual razão veio aqui com seu ar de sibarita?
Será só para lembrar o que me aconteceu?
Deixa, diaba, de tratar a mim como um cananeu?"
“ - Inês é morta! Morreu!”

Senti em dantesca treva o premir de ossudo abraço.
A casa foi se fechando em temor tal que encolheu,
Então, bradei: “Morta e Sonsa, me joga logo no inferno !!!
Vejo inda a nudez  pura da amante que me cedeu;
Dá pra devolver seu corpo virginal que me bebeu?”
“-Inês é morta! Morreu!”

“Ave perdida do diabo, um lenitivo aprendeu
Que possa me ajudar? Diz-me, flor que apodreceu!
Tira-me o pesadelo. Só sonho com seu cabaço.
Corro eu risco de vida? Eis que tudo reacendeu:
Foi aqui nesta poltrona que seu hímen se rompeu!”
“– Inês morta! Se fodeu!"

“Poderei desenterrar nossa virgindade de antes?
Devolver aos nossos corpos tudo que tinham de seus?
Pôr no Instagram, Twitter, Face, em grande revelação?
E depois do tempo alçar o que nos enterneceu
E voltar a nos deitar em grama que não cresceu??? ”
“- Inês morta! Se fodeu!”

“Parta, agora, peste, dianho, deixe-me só neste quarto!
Tava bem feliz aqui sem a fúria dos atreus.
Finas garras bem se afundam de remorsos na memória.
Descabacei a menina. Qual sina então sigo eu?
Não consigo esquecer disso desde que me apareceu!
"- Inês é morta! Fedeu!”

A ave não fez mais gesto. Mas sua postura atiça
O remorso mal curado que esta alma reviveu!
Ouço longe o interfone: é o vazio a tocar.
Pra sempre colado ao sangue que era para o Himeneu.
"Voltará a ser cabaço a Princesa que me deu?”
“- Inês é morta! Fodeu!"


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