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RAIZ

Vejo u'a mulher, seus olhos doem de serem belos, caminho então na direção dos seus cabelos crespos, ao rés da alma medos e mágoas, piso bem leve Não, na verdade, são cem em uma e todas vertem mil universos num só pescoço, traços de afetos que bem recebem ou receberam lábios com sede Abraço todas num corpo uno pensando em lagos que me afoguem bem afogado sobre o pescoço que beijo e sangro como uma fera de outra idade no tempo morta Vejo a mulher, sua pele em nuvem, clamando toques, retoques e sons chuvosos, toco em seus seios tão generosos por sob as vestes, não, na verdade, são cem em uma e todas despem suas auréolas Vejo suas pernas, gregas colunas, calores rubros mesmo na chuva, pego suas pernas e roço nelas como em cem outras, firmo suas costas, durmo em seu seio como em cem seios, teço-me os sonhos desde a raiz

VISTE, ESPELHO

Se tudo o que vejo parte daqui, como acreditar nas tuas falas, se o que causa escuros é de mim? Teu é o coração que não me atinge. Teu é o desprezo, ojeriza, asco. Tu me lanças o enigma da esfinge? Rastilhos de pus na pálpebra. Se tudo enxergo a partir de mim, por mais que sorrias, não me alegro, pois ao morrer, o tudo se acabará. Viste, espelho? Me escuta: o que em mim cresce jura inocência do crime de ego/refletir-te.

OS ANJOS PEGAM SUAS TROUXAS

Os anjos pegam suas trouxas. Não têm mais esperança. Estão em fuga. Não são mais os mesmos. Aquele jeito puro deles não existe mais. Aquele sorriso de cada anjo ganhou febre. Antes invejavam os homens. Agora invejam o Nada. Se ganhassem o Nada, Mergulhariam sem pensar em nada. O Tudo lhes cansou. Pegam suas trouxas e vão aos piquetes. Quando assaltados de pequena esperança, Pedem jornada eterna menor. Melaram de bosta as asas. E apontam o dedo médio pros homens Que os vêem quando sentam no meio-fio.

SIGO COMO UM SER DE SELVAS

Sacudo minha juba Como leo antigo Estico o pescoço De meu ser selvagem. Blasfemo da chuva Que dá fuga à caça. Pouco me adianto Com a vida às traças. Só as minhas moscas Me adoram, me entendem. Não há virgens selvas. Todas em ruínas. Vão-se as memórias De outros campos férteis. As patas me doem Como as lembranças Dos risos de Leocádia. Os dentes tremem nas gengivas. Meu rugido espanta menos Que minha amarga alma Claudicante a cada verso.

QUESTÃO DE MEMÓRIA

Acontece no ônibus, vez em quando. Abro, então, a memória para que entre Um avô espanhol, de Lojas, Da região da Andaluzia Me compra sequilhos, Ao centro da cidade de Registro, Onde também um peixeiro passa, Junto duma mulher com chá quente nos bolsos. Marília me aguarda à porta do banheiro. Dirceu fugiu com uma cabra E o estranho é que estou Ao lado de um colega falecido. E assim vou por aí, catando visões. Abro mais e estou saltando muros. Valho uns seis milhões de dólares, Por meu braço biônico. Mais gordo e com treze anos. E estaco para o espírito em fogo. E mulheres nuas invadem minha puberdade. Com seios em riste de auréolas molhadas. Há um cheiro de eternidade nisso tudo. Embora os pés do tempo disfarcem As varizes nas rodas do ônibus inflam.