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CONTO "TRAÍRA"

TRAÍRA conto meu um pouco antigo

O Jardim Costa e Silva ficou em polvorosa.
Em toda a cidade de Cubatão, haveria assunto pra toda semana. Tudo começou assim:
Chegara em casa, irado.

- Traíra!

- Olha os modos!

- Me lixo.

- Os vizinhos.

- Se mudaram.

Chuta a mesa. Pratas voam, falsas.

- Eu te segui.

- E aí?

- Eu vi tudo.

- E aí?

- A coisinha também viu.

- E aí? Não conheço coisinha nenhuma.

- A da esquina.

Vê cigarros. Aproveita o clima.

- E esses cigarros?

- São seus, debilóide.

- Não me chama assim. – Torce o braço do outro.

- Puto.

- Sou homem, você sabe.

- Viado.

- Repete.

Puxa o revólver.

- Atiro?

- Atira.

- Eu atiro em você. Depois em mim.

- Atira.

-Por que você quer tanto que eu atire?

-Quero ver se você é homem.

-Muito mais que você.

-Duvido.

-Só por causa de um bigodinho tá se achando.

-Tá com inveja? Compra hormônio do bom.

-Não preciso disso.Tenho mais alma de homem que você.

-Alma de homem ninguém vê. O corpo todo mundo olha. Meu corpo é que vale.

-Que homem é você? Parece mais uma mulher de bigode.

-Repete se for macho.

-Repito se eu quiser.

-Então, repete.

-Você não manda em mim.

-Olha que eu atiro.

-Atira.

-Sou muito macho pra atirar.

-Só pra atirar, né?

-Não só, mas vou acabar com isso. É só eu apertar o dedo.

-Acaba...

Bum! Bum! Serão essas as onomatopéias? Não, não, é assim:

Bang!Bang!

Quando a polícia chegou, achou, pela posição dos corpos, que um atirou no outro e depois suicidou. Achou, também, nos bolsos de ambos, carteiras que identificavam velhos fantasmas.

Na época de mulheres, eram apelidadas de Bela Flor Pinto e Floralva dos Santos Carélios, respectivamente, sobrenome de uma e nome de outra (ou outro? Estou confuso, me perdoem). Viviam, quando crianças, a dar socos no próprio seio na ânsia de afundarem o ser mulher e a usarem a bomba peniana do pai para aumentarem o volume dos insetos (grelos falantes, entendem?).

As autoridades lavaram as mãos e no outro dia as paredes terminaram de cair, sobras de um cangaço doméstico.

Na TV ligada, uma atriz declamava:

... “Bela Floralva, se Amor

me fizera abelha um dia,

todo esse dia estaria

picado em vossa flor:

e quando o vosso rigor

quisestes dar-me de mão

por guardar a flor, então

tão abelhudo eu andara,

que em vós logo me vingara

com vos meter o ferrão....

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