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LENDO CUBATÂO

Cubatão, atenta
E deixa eu ler-te o imberbe rosto…
Leio pelas linhas de tua pele
Lutas desde o salso dos sambaquis
Sob odores de jacatirões, ipês, bananas,
Jacas, mexericas, e outros perfumes,
Como bem cantou Afonso,
Ao bem louvar-te fauna e flora.

Na linha do queixo, leio o doce fluxo
De rios, serras e mangues,
Onde ágeis pirralhos brincam
Ante a recatada sensualidade
De moças lavadeiras de cócoras
Engrossando as coxas
no dobrar do corpo,
Pitos acesos nos cantos dos lábios.
Rios que
Em timidez e fluência,
Mais corriam, pintando claros,
Por artes de tara fluvial.

Em teu pescoço, leio a artéria verde
Das infindas trilhas por onde Ramalho
Martim, Tibiriçá, e outros andaram,
Subindo o Planalto, em ingente caça
Aos Tupinambás, naturais das selvas.
Aqui, apertados de sede e fome,
Viajantes massageavam os calos
Trançados mais na alma que no corpo,
E, ao canto da saparia, dormiam,
Barros seus corpos de alma vegetal,
Como a posar pra Jean Luciano,
O pintor de Afonso passado e futuro.

Em teus ombros leio os três vincos fundos
Das três sesmarias por Martim doadas.
Também o desejo,
Que por pouco deixa
Aqui a Independência.
Ainda nos mesmos, leio dos Manoéis,
A manoelar o eito e as marias.
Sonhos de bem mais
Os teus ombros arcam.

Em teus omoplatas
Leio bem devoto
Um velho Cruzeiro
Cujos azulejos
Guardam quinhentistas
Em azuis imagens
Os que te lamberam 
A pele morena,
Aqui pondo o sêmen
Da matriz Europa.

Desço ao peito e baço, leio o luxo e o traço
No Largo do Sapo imemorial
Onde a elite dantes bem se deleitou
Filando o café quente com biscoitos
De Dona Izolina e seu Bem Bernardo.
Pertinho do umbigo, leio Miquelina
Que acendeu as luzes de sua morada
Onde após seria o velho Anilinas.

Vejo ainda mais lendo ao sul de ti
A biodiversa cor de tuas raças,
Das aves, dos bichos, plantas,
Sobre a terra e enchendo tuas águas.
E em tuas pernas, desnudos arcanjos,
A roçarem—te o joelho azul,
E em galhos miro ninfas solitárias,
Esquivando dos estilingues sôfregos,
Aguardando pássaros de arco-íris,
Na esperança fértil do perene amor,
Vindo de além-mar, da beira do rio,
Ou qualquer lugar.

Leio nos teus pés de barro e de ouro
Bravas vozes que, num distante abril,
Douraram com honra nossa rica história.
E percebo sulcos em doçura e fúria,
Levando os segredos do petróleo e aço
Aos seios dos morros, aos braços dos rios,
Aos cabelos dóceis dos teus manguezais.
E trazendo povos fortes dos sertões
Vindo para a indústria e se amalgamando
À cor nuançada de 'cuipaitaã'.

Enxergo em tua alma festas de aldeia
Com seus braços amplos, em passos gozosos,
De índias, portuguesas, nordestinas, outras,
Temperando o solo com saudade e sonho.

Surpreendemo-nos sobre teu ser,
Patrimônio Histórico de superior beleza,
A brincarmos de furar rãs com tridentes de improviso,
A estudar e a roubar o mel da Ursa Maior,
Só para registrar o melhor do ser no espaço.

Assim decifro-te, Cubatão, da cabeça aos pés,
E descubro-te, Alteza Serrana,
Passista mítica dos sambaquis,
Enquanto o enredo de teu corpo se fortalece,
Convertendo a esperança do povo em samba,
Molengo e alegre, por artes do ritmo,
Que encharca o tempo sob o tom do amor.

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